O monstro é azul



Marcus Vinicius Batista

Os duendes sorriam de orelha a orelha enquanto se mantinham a postos para tirar as dúvidas. Quanto custaria para manter a pose? Quanto custaria para me exibir na vitrine? Eram dias de promoção antes de inaugurar a morada do monstro. Os duendes não precisavam laçar ninguém. O feitiço da vaidade fazia efeito por si só. Alguns dos enfeitiçados já vestiam a fantasia, talvez cientes de que ficar na fila para a matrícula era algum tipo de exercício físico.

A fila de candidatos crescia embaixo do sol forte. Todos sonhando em entrar no aquário, a toca azulada e envidraçada onde seriam vistos, quem sabe admirados, provavelmente invejados na busca da perfeição da forma. Pertencer era a ordem. Ser reconhecido, uma obrigação. Gerar likes virtuais e reais, uma consequência feliz.

Os duendes uniformizados, exceto pelo capuz, pois o calor castigava, sabiam que a maioria ali tostava ao ar livre para ir com outras Marias. Se entrassem três vezes na toca do monstro depois de assinar o contrato, o milagre se materializaria naqueles salões, entre esteiras e bicicletas paralisadas na utopia do corpo sem retoques.

Os duendes não se importavam. O pacto com o monstro se dava em três versões: 30 dias, 90 dias ou seis meses. Não é à toa que o aquário ficava na encruzilhada com o canal, na bifurcação de duas vias mais rápidas do que bicicletas de spinning, onde milhares de pessoas comentariam sobre a imponência do templo da saúde, qualidade de vida ou quaisquer outras expressões que traduzem a ditadura da aparência.

O monstro azul era blue no rastro atrás da fachada. O blue na versão do gênero musical do sul dos Estados Unidos, o da tristeza, da melancolia, do final silencioso de uma história que merecia ser cantada por menestréis caiçaras ou chorada por carpideiras da vizinhança.

O monstro azul levou quatro meses para erguer sua nova casa. Antes disso, enterrou três residências em duas semanas. Décadas de história em 15 dias. Nascer sempre demorou mais do que morrer, para qualquer espécie, até as que distorcem a imagem alheia.

No final do ano passado, as bolas de ferro e os martelos derrubaram paredes no atacado. As árvores que mantinham o ritmo dos pássaros que desfilam pela rua Frei Francisco Sampaio tombaram e criaram um buraco cinza no tapete verde do Embaré. Uma das casas, hoje foto encostada em qualquer gaveta de novo rico, não somente desapareceu do horizonte, mas se calou com a mudança de maritacas e outros pássaros que gritavam e conversavam sob autorização da lei. Os sons que me aproximavam do bosque foram sufocados pelas euforias dos novos bichos que precisam parecer felizes.

O monstro é bom de propaganda. Enquanto subia a carcaça quadrada do santuário, ele gargalhava com a gente que passava, olhava e acreditava que seria mais uma farmácia, um primo que parece se multiplicar nas esquinas de Santos cada vez que chove. Expectativa sempre aumentou a importância de quem chega e se estabelece.

O monstro não é um estranho no ninho. Ele enfrenta seus irmãos que distribuem sorrisos e sonhos em outros cantos da cidade. Esmaga com o olhar os pequenos, nunca vistos como adversários, mas como efeito colateral do progresso sem ordem. O monstro é filho da cultura do shopping, onde prevalece o padrão, onde impera a impessoalidade, salvo exceções e resistências pontuais.

O monstro alterou a paisagem de uma cidade que esconde seu provincianismo em capas metálicas, pré-fabricadas e envidraçadas. Dentro delas, o discurso da modernidade, da tecnologia como centro do mundo, da autopromoção como fala contínua. Uma modernidade tão líquida e fugaz quanto o suor que escorre daqueles que assam na fila para entrar, voluntariamente, na toca do aquário azul.

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