O condomínio dos meus sonhos


Um desejo de longo prazo (Foto: Prefeitura da Praia Grande)

Maria Bernadete Bernardo*

O anseio de ter a casa própria me castigou por muitos anos. Era como a sombra que persegue o corpo e basta uma luz, e ela se mostra.

Nessa época, fui trabalhar no Humaitá e morava em São Vicente. O único acesso para o meu trabalho era pela Praia Grande. Estou falando da década de 80, e as ruas eram de terra batida e esburacadas. Saia muito cedo de casa para pegar a condução, antes mesmo de o sol sair. Esse trajeto era feito quase numa penumbra.

Numas das primeiras idas, notei um portal majestoso com muros altos e imaginei ali um condomínio fechado, luxuoso, mesmo não sendo possível avistar as casas do lado de dentro por causa do muro alto. Minha imaginação viu jardins, floreiras nas janelas e até um parque para as crianças com gangorras e balanços.

Passei a ser uma admiradora daquela morada porque trazia na frente o nome do condomínio. Para mim, aquele nome carregava a conotação de paz e harmonia entre os moradores. Suspirava toda vez que passava em frente e pensava: Quem sabe um dia poderei comprar uma casa ali.

Depois de muitos anos, realizei meu sonho, e vim morar em Praia Grande; não naquele condomínio luxuoso, num outro bem mais simples. Para me familiarizar com a cidade, resolvi andar pelas ruas que estavam bem diferentes agora e fui até o tal condomínio fechado.

Avistei logo a bela fachada, notei que as árvores tinham crescido, estavam encopadas e muitos carros estacionados na rua, o que me levou a pensar ainda mais no luxo que era lá dentro. Ao me aproximar, notei um entra e sai de pessoas e uma sala para cada lado, ali mesmo, na entrada, com um amontoado de gente. Alguns conversavam naturalmente e outras choravam. Virei o olhar e avistei - próxima a parede dos fundos - um caixão.

Fiquei meio atordoada! Mas não tinha tempo para fricote e logo me refiz; foi aí que me dei conta que, na verdade, o condomínio fechado que trazia o nome “Morada da Grande Planície” é o cemitério da cidade de Praia Grande. Minha falta de atenção impediu de perceber isso.

Ontem, antes de entrar em casa, peguei na portaria a correspondência e havia um boleto do Plano da Assistência Funeral que pago há anos e aí pensei: não é que ainda vou morar naquele condomínio?

* Este texto nasceu do curso "Crônica: o amor pela vida cotidiana", realizado em julho, no Lobo Estúdio, em Santos. 

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