Minha religião


Marcus Vinicius Batista

Levantei apressado. Tinha perdido a hora. Deve ter sido a insônia, que insistiu em ficar até às três da manhã. Ainda bem que tinha deixado pronta, na sala, a roupa da missa.

Hoje é dia de rezar. Caminhei as dez quadras preocupado porque perderia parte da oração. Pela fé, madrugo sem reclamar, chego ao templo sem tomar café, ansioso para conhecer a nova casa do Senhor.

Quando virei a esquina, escutei o falatório. Muitos louvavam à Ele, pulavam e corriam diante do evangelho. O culto era a céu aberto. Senhoras observavam do ponto de ônibus. Três operários assistiam e conversavam sobre a palavra ali pregada.

Motoristas de carros, passageiros de ônibus aproveitavam o semáforo vermelho, na avenida Afonso Pena, para dialogar com os fiéis. Um ajudante de caminhão de refrigerantes começou a narrar um trecho da celebração. Sorria e vibrava com a força da palavra àquela hora da manhã.

O diácono Carlos Júlio, um dos comandantes do culto, acenava de volta, agradecendo pela simpatia e pela demonstração de credo e solidariedade. Aliás, a ideia de levantar uma nova casa de oração foi dele, junto com o irmão - de fé e de sangue - Gabriel.

Éramos cerca de 20 fiéis, número impressionante para a cerimônia de estreia, ainda mais às 7h30 de sexta-feira. O amor à Deus era tamanho que a hóstia, de formato arredondado, passava de pé em pé em comunhão. Apenas três sujeitos foram escolhidos para apanhá-la com as mãos. Pecadores ou privilegiados, eu não sei. Orgulho-me de ser um deles.

Apanhar a hóstia com as mãos significa, pela liturgia, deitar ao solo para agradecer as oferendas. Em outras situações, caímos ao chão para exorcizar o mal que nos acompanha. Dizem que se trata de sacrifício, pois nunca vamos protagonizar o culto. Nosso trabalho é manter nossos irmãos esperançosos pela vitória, escrita em tinta branca na grama, ainda que sintética, enquanto afastamos os adversários da palavra sagrada.

O pastor Lalá, o líder da congregação, apenas acompanhava de fora. Sábio, ele prefere observar com a serenidade de quem, aos 81 anos, carrega nos braços as experiências únicas de conviver com príncipes e reis por conta da religião.

Alguns do fiéis eu conheci hoje. Ainda desconheço os nomes de uns três ou quatro. De fato, nomes parecem secundários diante das lições religiosas, demarcadas em minutos e capaz de nos unir em torno Dele. A doutrina é relativamente simples, mas não dogmática. Como qualquer outra, possui um livro de ouro, com 17 mandamentos, porém sujeitos a interpretações em casos duvidosos.

Nossa religião não segrega - sei que todas pregam o mesmo discurso -, mas os fatos estão aí para empreender o milagre. Brancos, negros, altos, baixos, ricos e pobres, adeptos de outras formas de fé, todas - dentro do templo - tem a mesma função. Sem cargos, sem hierarquia, sem disputas obsessivas de poder.

O culto é rigoroso em certos aspectos. Talvez seria melhor dizer disciplinador. A celebração acabou às 8h30 em ponto. Todos devem seguir a rotina de trabalho, de crença na salvação. Antes, contudo, era a hora de dividir o líquido que simboliza a confraternização entre os homens. Hoje, não era hora nem lugar para o tradicional vinho. A fé foi renovada da mesma maneira, com sucos e água. Na mesa, o milagre da multiplicação das maçãs.

Sai do templo cansado, mais por responsabilidade minha, mas renovado pelas palavras do Deus-Bola e ansioso pelo culto da próxima sexta-feira. Apenas lamento que não posso comparecer a outros horários de pregação, mas sigo louvando minha religião desde que me conheço por gente.

Encontrei a palavra do Senhor e sua ressurreição no Templo do Futebol. Aleluia!!!

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