A pedagogia 'direnziana'


Renato Di Renzo, em conversa no Café Teatro Rolidei
(Foto: Beth Soares)

Marcus Vinicius Batista

A atriz Mariana Salgado já se acostumou com as broncas dele. Precisa dos gritos e do próprio choro para se enxergar como personagem dentro de uma peça. As lágrimas são, para ela, a forma de agradecer ao diretor Renato Di Renzo pela formação teatral. “Sem os gritos, não consigo atuar.”

Renato é um perfeccionista. No espetáculo “A Terra pode ser chamada de chão”, ensaiou o elenco, alterou marcações de palco, corrigiu parte do texto de sua própria autoria quando faltavam 30 minutos para a estreia no Teatro do Sesc, em Santos. Ele explica que todo texto teatral está em eterna construção, inclusive os dele. Mudanças são essenciais para que o ator se veja como sujeito político, como um estudioso sem trégua, como remédio para a própria acomodação em cena.

O método de Renato está baseado em ensaios constantes e muita referência de estudo. Não basta apenas decorar o texto da peça. Esta é a menor parte do trabalho, que inclui outras leituras, de outras áreas do conhecimento, e forte construção cultural do elenco. “A arte tem que estar fora do molde e presente no cotidiano do homem.”

Por trás do método de trabalho, a palavra sempre mencionada por quem o cerca é dedicação. E Renato, para exemplificar a importância da palavra, menciona a Ópera de Pequim. “Ela é apresentada há séculos e nunca é a mesma coisa. Por isso também que não é novela. É teatro.”



Cadeira de barbeiro, parte da decoração 
do Café Teatro Rolidei (Foto: Beth Soares)
As exigências do diretor são famosas no meio teatral. Curiosamente, são mencionadas como elogios e críticas, dependendo dos olhos de quem passou pelos ensaios do Café Teatro Rolidei. Em ambos os casos, ele é comparado ao diretor Antunes Filho, com quem trabalhou. “Acho pequenos aqueles que limitam meu trabalho a uma cópia do Antunes Filho. Somos bem diferentes.”

Renato não trabalhou como ator na companhia de Antunes. Foi cenógrafo em três espetáculos na década de 70, antes de retornar a Santos. “Eu estou bem próximo do Teatro dos Pobres, de Grotowsky”. Ele compartilha da ideia de que o teatro não pode ser dependente de vestimentas ou cenários, e sim do trabalho psicológico e físico do ator. O diretor polonês Jerzi Grotowsky, que morreu aos 66 anos, em 1999, chamava de “Em Busca do Teatro Pobre.”

Segundo Claudia Alonso, parceira de Renato no projeto TamTam desde o início da década de 90, a rigidez dá credibilidade do grupo Orgone. “Nós não brincamos com a vocação. Ele é extremamente rígido, mas uma rigidez que ultrapassa ‘bater-cartão’. A rigidez é para nós mesmos, porque o ator do Orgone chora, sofre, tem crise existencial, mas sabe exatamente o que está fazendo em cena.”

Os atores mais próximos a ele, além da própria Claudia Alonso, se referem à “pedagogia direnziana” quando falam do método de trabalho do diretor. A expressão passa pela ideia de que o teatro é um ato político e que o ator, para entrar no palco, precisa de uma formação política.

A bailarina, atriz e produtora cultural Cláudia Alonso
(Foto: Beth Soares)

Para ele, a arte exige urgência como manifestação cidadã e se forma de vários fragmentos. “Neste sentido, cada ator é um instrumento.” Só assim, haverá progresso. Ainda está impregnada, no método de trabalho dele, a cultura do hospital, os tempos da Casa de Saúde Anchieta, onde tudo começou com a emergência de ajudar os pacientes de saúde mental, sem se esquecer da politização contínua de cada sujeito.

Atualmente, Renato Di Renzo rascunha uma nova peça. Ainda sem nome definido, o texto aproxima a boneca Barbie e o personagem Orlando, título de uma das obras de Virginia Woolf. A proposta é discutir a ditadura da estética nos dias atuais. "A TV, as revistas e os jornais mostram que beleza é ter roupa de marca e corpo malhado. Vivemos em uma sociedade perversa, da lei da vantagem, que cria competidores. Vamos na contramão disso. Sou um provocador."


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