Trólebus: o caminho da energia



Marcus Vinicius Batista

A cada passagem na encruzilhada de fios, o ônibus dava um tranco. O som que saía das bifurcações avisava aos desatentos que o veículo se aproximava do ponto. Seria uma viagem mais lenta, quase turística, numa cidade também mais devagar, menos congestionada.

Andava, todos os dias, no trólebus número 4. Onde eu morava, nas imediações do canal 6, passava também o 8, com frequência menor pelo número de passageiros.

Depois de passar a roleta, o prazer era se sentar nos bancos laterais. A pintura interna era vermelha, idêntica à externa, o que dava a sensação de embarcar numa salsicha motorizada, envelhecida pela quilometragem e pelo tempo.

Os bancos eram de estofamento cinza, puxando para um bege, se a memória não falhou. Eram fofos, com os assentos recheados de espuma, imagino. Bem diferente dos bancos mais duros dos coletivos atuais.

Na época, a avenida Epitácio Pessoa tinha duas mãos e o trólebus seguia numa linha reta até a avenida Conselheiro Nébias. Depois, no final da vida deles, a Epitácio virou mão única e passamos a ter a vista da praia como companhia.

Eu usava a linha para ir e voltar da escola, quando o rodízio de caronas falhava ou quando chovia demais para pedalar. O melhor momento, para um pré-adolescente, é claro, acontecia quando a fiação do trólebus desconectava da fiação da rua.

A viagem parava e observávamos, pela janela, o motorista brincar de lego para reencaixar o ônibus. A torcida era para que ele perdesse a queda de braço com a rede elétrica. Quanto maior a demora, maior o atraso na escola!

Outra atração eram os moleques que pegavam carona na traseira do ônibus. Era só por diversão, para se deslocar pela cidade até o motorista se encher - ou se lembrar dos riscos de choque elétrico -, parar o veículo, ameaçar descer dele e todos nós testemunharmos os moleques correndo com sorrisos no rostos.

Nunca tive coragem de me pendurar nos suportes circulares que armazenavam os cabos, a conexão do trólebus à rede. Eu era da turma dos medrosos - ou responsáveis, depende - que se contentavam em sentar nos bancos laterais.

Quando os trólebus saíram de circulação, eu já era dependente de carros. Hoje, não mais. Só voltei a andar de ônibus elétrico uma vez, na linha 20, que fazia a avenida Ana Costa.

È uma pena que os trólebus não foram incorporados aos projetos turísticos de Santos. Alguns anos atrás, o historiador Valdir Rueda conseguiu chamar a atenção de promotores para a preservação histórica destes ônibus, que poderiam complementar os bondes do Centro.

Infelizmente, com a morte do historiador, o silêncio venceu. Numa cidade com a paranoia da urbanidade, os trólebus poderiam ser mais um fluxo de oxigênio para relembrarmos de uma Santos mais bucólica, poética, interiorana e saudável.

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