35 anos de prisão

Cadeia Velha de Santos (Fonte: Revista Relevo)

Marcus Vinicius Batista

Desconfio que meu passado serve de desculpa para aqueles que me prejudicam. Não há rastro do presente que signifique tamanha punição. Uma punição que envolve silêncio quase todo o tempo. Silêncio sobre meu futuro. Mudez sobre como será minha vida no próximo ano.

O silêncio me paralisa e me deixa trancada. Quando a palavra chega, vem em formato de promessas. Quando não são promessas, ouço que é preciso consultar outra pessoa sobre minha liberdade. Quando procuro um terceiro, vejo os ombros balançando, as sobrancelhas tentando esconder os olhos que dizem: não é comigo.

No meio deste ano, acreditei que receberia o habeas corpus. Ganhei o direito ao regime semiaberto. Trabalhava durante o dia, me recolhia no final da tarde. Confesso que estava feliz da vida. Pensei que meu passado de virulência, de prisões, torturas, perseguições, todas as violências que testemunhei no século passado seriam enterradas. Nunca fui cúmplice. Fui um instrumento do autoritarismo.

Voltei a ver gente com interesse em ficar perto de mim. Gente pensante, de cérebros inquietos, corpos agitados e crítica social no peito e na alma. Mas deveria ter percebido: a política adora fazer de mim sua escrava.

Ao calar das urnas, logo após a ressaca dos votos, os sujeitos de sorrisos amáveis e canetas endurecidas cassaram minha liberdade. Novamente. Só posso desconfiar do meu passado como causa. Mantenho minha postura ereta, mas com zíper na boca. Testemunho a praça dos Andradas como ritual de passagem. Pessoas apressadas, trânsito nervoso, ônibus de dezenas de CEPs.

Vi ator ser preso pela polícia por ter brincado com a própria Polícia, numa reprise de um passado que me arrastou para dentro dele. Mas vi com esperança centenas de pessoas ocupando meu quintal, enquanto desejam frequentar minha casa.

É essa turma que luta por mim. Conversa, protesta, produz arte, pressiona os sorridentes das canetas sem humanidade. São os incansáveis que querem organizar meu aniversário. 35 anos. De portas abertas para a Cultura. De portas fechadas para a conversa fiada de quem me considera supérflua.

Vivo hoje pela gana dessa gente, que quer me visitar com mais intimidade. Sonho com este dia, sem depender de favor, sem ouvir a baboseira do dinheiro que evaporou e não poder retrucar.

Aguardo a chance de dizer: sejam bem-vindos. Muito prazer, Cadeia Velha de Santos.

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