Tempos com frestas de luz (Contracapa # 33)


Marcus Vinicius Batista

A Segunda Guerra Mundial é a mais cinematográfica de todas. É a maior em número de envolvidos, maior em alcance territorial, maior em vítimas – embora números oficiais em guerras sejam duvidosos -, maior em registros audiovisuais e fonte inesgotável de seriados, minisséries, documentários e adaptações ficcionais.

Quando fui professor de História, sempre me incomodou uma das consequências paradoxais da grande quantidade de material sobre o conflito. Enquanto enfatizava a disposição de um arsenal sobre o assunto, me incomodava ver a glaumorização de batalhas, a glorificação ou vilanização de líderes e oficiais e, por vezes, a desumanização daqueles que sofreram na carne e na psique os efeitos nocivos da selvageria.

Por causa disso, me afastei por alguns anos do contato com o tema. Sentia-me aborrecido com a pirotecnia dos produtos culturais sobre a guerra e a aproximação de uma leitura perigosa – e por que não? – fraudulenta: a de que o Eixo era a exclusividade do mal e os Aliados representavam os ícones da liberdade.

Uma guerra faz, como primeira vítima, a verdade. Depois, tenta-se reescrevê-la com contornos novelísticos, com personagens lineares. É parte da construção da propaganda de guerra, na qual se mostra obrigatório lapidar objetos de culto e de desprezo.

No ano passado, caíram em minhas mãos dois livros que conseguiram apontar caminhos duros, mas de profunda humanização da Segunda Guerra Mundial. Ambos narram trajetórias de homens que viveram o horror dentro de um campo de concentração. No primeiro semestre, li “É Isto um Homem?”, do italiano Primo Levi. A obra conta a experiência de Levi como prisioneiro, sem nos poupar nem dar caráter hollywoodiano à rotina mais intestina da guerra.

O outro livro está mais próximo de nós, seja pelo conteúdo, seja pelo autor, seja pela urgência e ineditismo de suas páginas. O historiador santista Gabriel Davi Pierin me concedeu a honra de editar “Uma Estrela na Escuridão”, livro sobre a vida de Andor Stern, o único brasileiro vivo, na atualidade, e sobrevivente do holocausto. 





O livro contextualiza a Segunda Guerra Mundial, junto com as memórias de Andor, que passou parte da adolescência em Auschwitz, o mais famoso dos campos de concentração.

Em “Uma Estrela na Escuridão”, é possível compreender como a condição humana é tão contraditória quanto incompreensível e fascinante em sua plenitude. Mesmo no pior dos cenários, o homem – como testemunha Andor, um senhor de 88 anos impregnado de otimismo em suas palestras – tem a arrogância de repetir a solidariedade e a mesquinharia, o amor ao próximo e a animalidade, a poesia e a crueldade.


Em 2015, tinha dúvidas se deveríamos comemorar os 70 anos do final da Guerra. Digo comemorar no sentido de celebração. A data é vital para refletirmos sobre a natureza do conflito e as lições que fingirmos esquecer. São cerca de 15 guerras – a maioria civis – no mundo de hoje. A maioria, quando ocupa espaço, está no rodapé dos noticiários.

Falar em guerra é celebrar, sim, as pessoas que sobreviveram e que são joias vivas do que o humano é capaz de fazer. Para quaisquer direções.


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