O fofoqueiro



Marcus Vinicius Batista

Minha mulher adora dizer que sou fofoqueiro. Beth garante que, intencionalmente, escuto conversas em restaurantes, bares, filas de banco. Desisti de repetir argumentos como “as pessoas falam alto demais”, “a conversa entrou pelos meus ouvidos naquele instante em que estávamos em silêncio” ou “o que posso fazer se as pessoas falam do meu lado”. 

Às vezes, apelo para a nossa profissão: “jornalista deve sempre estar atento”. Soa simplista, reconheço.

Sou curioso. Engana-se se você acredita que me interesso pelas tagarelices alheias. Até que, de vez em quando, brota um ou outro papo que mereça minha atenção, mas nada se compara a descobrir qual é o livro que alguém está lendo em público.

Não posso ver uma pessoa lendo na rua, na praça, dentro do ônibus, que aparece a urticária literária. A coceira se traduz na necessidade (ou desejo?) de saber o que ele ou ela está lendo.

Hoje, por exemplo, cruzava o corredor do ônibus para descer no ponto seguinte, quando vi uma adolescente lendo à direita. Entre o tempo de perder o ponto e descobrir o que ela devorava, retardei o andar um segundo, focalizei no alto da página, mas estava com os óculos sobre a cabeça. Não havia como colocá-los em tempo de decifrar um código borrado. Desci do ônibus, fracassei na investigação, como um detetive particular de primeira viagem.

Não consigo explicar por que desejo desvendar este mistério inútil, mas as hipóteses transitam entre teorias conspiratórias e psicologia de boteco. A primeira pista é que, como leitor diário e voraz, sei detectar um exemplar raro da espécie Homo leitorus

Pareço o personagem caricato de desenho animado, que caminha silenciosamente com a rede para apanhar a borboleta que repousa na árvore, aquela que voará ao primeiro movimento de meus braços.

Seria como a Teoria do Espelho, o reconhecimento de outro mamífero capaz de ler e interpretar um texto. Só que a teoria se fragiliza, pois nem todos os mamíferos leem livros (há os que preferem colori-los) e ler não garante o entendimento ou a interpretação mínima do conteúdo.

Investigo porque gostaria de ser investigado. Esta segunda hipótese, de caráter narcísico-literária, se sustenta na ideia de que um dos meus maiores prazeres é ler durante as viagens de ônibus. Já digeri livros inteiros só dentro do coletivo, como a biografia do Stephen King.

Desenvolvi, sem saber direito, a capacidade de ler durante o sacode do itinerário, aos 35 anos. Não conseguia ler até então porque sentia enjoo. Um dia, simplesmente consegui. O problema desta teoria é que nunca ninguém me perguntou o que estava lendo, se o livro era bom, do que se tratava ou como conseguia ler dentro do ônibus. 

Leio até em pé. É melhor do que compartilhar, à revelia do passageiro pendurado mais próximo, o que ele escreve em seu celular.

Talvez tenha que copiar minha mãe ou um amigo cartunista. Ambos encapavam os livros que estavam lendo. Minha mãe embalava naquele papel rosa de papelaria do século passado. Meu amigo encapa com folhas de sulfite. Ela, para ir à praia. Ele, para carregar no ônibus para São Paulo. 

Em comum, detestam que perguntem sobre suas leituras. Sempre desconfiei, sem base cientifico-filosófica, que a capa improvisada aguçasse a curiosidade até dos que nunca tocaram naquele bicho de letras.

Ando sempre com um livro na mochila ou nas mãos. É o meu celular preferido. No ponto de ônibus, na fila do banco, na praia, na espera para iniciar uma aula, no intervalo do trabalho, almoçando sozinho em casa. No fundo, reside a esperança de que alguém possa se interessar e engrenar uma conversa sobre livros, leituras, autores, escrita, a vida por meio da literatura.

Ou talvez a teoria de minha mulher seja a mais óbvia e plausível: sou fofoqueiro mesmo! Duvido, porque nunca conto para ninguém o que o outro estava lendo, quanto mais qual livro estou lendo hoje. Só mudo de ideia se me perguntam, claro.

Comentários

Wilson Ohoseki disse…
Pois é: comigo ficaria frustado, pois adotei o Kindle já faz alguns anos. ( É infinitamente mais leve e na memória carrega muitos títulos.) E, certamente, seu formato de aparato tecnológico não despertaria seu interesse literário.