A Cultura entre nós

Cadeia Velha de Santos - Foto: Matheus Tagé/Diário do Litoral

Marcus Vinicius Batista

Assistia a uma palestra no auditório do Sesc, em Santos. Quando o mediador abriu para perguntas, esperei pelos dois rituais em eventos deste tipo. Cedo ou tarde, alguém pegaria o microfone para desfiar o próprio currículo e exibir-se para o palestrante até que o mediador retomasse a rédea: “qual é a pergunta mesmo?”

A segunda maldição se materializa quando um dos espectadores escorrega na bajulação, parabeniza o evento e dispara: “ainda bem! Santos não tem Cultura!” Nesta palestra do Sesc, os dois fenômenos coexistiram na mesma pessoa. Duplicou meu cansaço!

Quando algum gaiato chuta que Santos não tem Cultura, esqueça a perspectiva conceitual. O falso vidente – ou historiador – se refere à ausência de eventos culturais. E não é argumento passível de desconfiança. É somente bobagem! A ausência de Cultura é uma teoria dissociada do mundo lá fora, das fronteiras além do computador ou celular.

Os caminhos da conspiração se apresentam ao gosto do freguês. Um deles é argumentar que os eventos, principalmente shows e peças teatrais, são caros demais, comparáveis aos padrões de preços paulistanos. Meia verdade. Logo, meia mentira.

É claro que há eventos com ingressos acima de R$ 100, mas é possível se divertir com pouco dinheiro ou de graça. Diversos coletivos produzem textos teatrais de boa qualidade. Inúmeras peças no próprio Sesc não saem por mais de R$ 10. Concha Acústica, praças e outros endereços com entrada franca. Cine-Arte, por R$ 3. Basta ler as notas no jornais.

Outro rumo teórico tenta se sustentar na falta de diversidade da Cultura local. Além de esconder o preconceito da falsa erudição com a cultura popular, esta visão camufla o provincianismo, caracterizado pela adoração cega a tudo que vem de fora ou pela idolatria de artistas renomados só porque nasceram em Santos.

A cidade abriga espaços públicos e privados para todas as manifestações artísticas. De bares e estúdios exclusivos de um gênero musical a rodas tradicionais de samba, de cineclubes a cinemas de shopping, de galerias a arte na praça, de festivais literários a livros em pontos de ônibus. O rosário é longo, desde que derrubemos a teimosia do santo de casa que não opera milagre.

O terceiro lado que completa o triângulo da soberba diz respeito à formação dos artistas. Este olhar nega a própria fraude. É a ideia de que os artistas são coitados que, por favor alheio, podem expor seus trabalhos. Compromisso com a arte não significa ato de caridade.

É detestável quando parte do público critica o amadorismo dos artistas para encobrir o amadorismo de quem não quer remunerar. Depois, tem a cara-de-pau de classificar artista como vagabundo, mas paga R$ 300, R$ 500 para ver um produto embalado por marketing.

Negar a Cultura como agenda e existência é negar os artistas locais, suas competências, sua sensibilidade. A arrogância nas entrelinhas é o cobertor que finge aquecer a frieza do óbvio: Santos transpira Cultura por todos os cantos. É a vida que transita entre a rua e os endereços fechados. Basta sair da bolha que aprisiona os teóricos de Sucupira.

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