Somos todos quarto lugar!

Caio Bonfim, ao final da Marcha Atlética

Marcus Vinicius Batista

Caio Bonfim me fez pensar sobre o espírito olímpico. O atleta da marcha atlética ficou em quarto lugar, a cinco segundos do terceiro colocado e, portanto, da medalha de bronze. Conte até cinco, caro leitor, e entenda como uma Olimpíada pode ser cruel e gloriosa numa linha de chegada.

Se ainda tiver dúvidas sobre o que é cheirar, mas não tocar no pódio, pense em Darlan Romani, do arremesso de peso. Ele terminou em 5º lugar, com 21,02 metros, melhor desempenho da vida dele. A distância da medalha de bronze: 34 centímetros. Uma palma e meia, nas mãos da minha mulher. Menos que a largura do teclado onde escrevi este texto.

É injusto e para não dizer insano dividir a vida de alguém e quatro anos de preparação, em cinco segundos ou 34 centímetros. Bonfim, por exemplo, também sofre a carga de preconceito, pelo gingado de quadril da marcha, que leva os estúpidos a chamá-lo de viado. Um xingamento que desapareceria na hipocrisia do ufanismo quando a medalha vem.

O quarto lugar é paradoxal. A posição que nos aponta a insuficiência do esporte de alto nível pode nos mostrar o quanto um atleta se aproxima - e se inclui - entre os melhores do mundo. Só há três sujeitos melhores do que você no planeta!

O quarto lugar é visto - ou ignorado - como um sinal de derrota, de reflexo da falha, mas pode ser a vitória de quem nunca chegou tão longe. O quarto lugar pode ratificar o fracasso de um favorito, mas também ser o sucesso de uma surpresa, de uma promessa, da maturidade que vai desabrochar em quatro anos.

O quarto lugar tortura quem entende a medalha como a única razão possível para o esporte de nome competição. O quarto lugar acaricia quem vê o esporte como aproximação, como diversão, como o sabor de estar numa festa sem a pressão por resultados imediatos. Bastou estar lá!

Os Jogos Olímpicos colocam para fora todas as nossas neuroses e complexos. Saímos da arrogância à subserviência na velocidade de Usain Bolt. Alteramos o curso dos julgamentos feito as velas que conduzem Martine Grael e Kahena Kunze às vitórias.

Desejamos estar lado a lado com norte-americanos, chineses, ingleses, alemães e japoneses, por exemplo, enquanto criticamos muitos atletas que viraram militares para que o soldo lhes dê uma vida confortável. Aí, misturamos a continência de gratidão com os torturadores da ditadura militar, numa babel de informações mais desencontradas do que os depoimentos de nadadores norte-americanos à polícia carioca.

Se estivermos ao lado das potências, como nos esportes coletivos, podemos anestesiar as dores do colonizado, ganhar o ticket para o parque de diversões da civilização.

Caio Bonfim é nosso César Castro, nono colocado nos saltos ornamentais, repetindo o melhor desempenho da história. César Castro é Fernando Reis, que terminou em quinto no levantamento de peso, assim como Flávia Saraiva na ginástica. Ou Luiz Alberto de Araújo, décimo no decathlon, uma conjunção numérica que representa o melhor desempenho da biografia dele, na modalidade que forma super-homens.

As Olimpíadas extraem as nossas contradições. Cada competição que vencemos nos ilude com a premissa de que somos o país do futuro. Quando perdemos, o mesmo Brasil sangra pela falta de apoio ao esporte, pelo desconhecimento do que é ser atleta no país, dos sacrifícios que fazem e - por que não? - das humilhações sofridas.

O esporte olímpico representa, por um lado, nosso fio de esperança por dias melhores. A torcida por heróis de todos os tempos da última semana. O saltador Thiago Braz, um anônimo até dez minutos que antecederam a medalha de ouro. O Davi que enfrentou e esmagou o estrangeiro colonizador e recordista do mundo.

O esporte olímpico aponta, por outro, nosso patriotismo de ocasião, marcado pela ignorância, de saída, sobre como é um ato heroico alcançar uma Olimpíada. Idolatramos os medalhistas. Destinamos os derrotados ao pé de página do noticiário.

O quarto lugar sempre me interessou. Não é a posição que liga ao masoquismo do quase, mas a certeza de que o quarto, quinto, sexto e assim por diante colocados têm histórias interessantes para serem contadas. Somos nós com nossos erros e acertos personificados.

Os perdedores me atraem. Perdem pelo resultado. Saem dos holofotes. Desaparecem mais rápido do noticiário. E vencem ao carregar com eles as (pequenas) grandes histórias olímpicas, muitas vezes as que melhor contam o que define e perpetua um atleta olímpico.

Obs.: Texto publicado no site Jornalirismo, em 19 de agosto de 2016.

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