Velho para quem?


Marcus Vinicius Batista

Assistia à uma aula virtual do historiador Leandro Karnal quando recebi, como um soco, a seguinte frase: "Na velhice, a sabedoria cresce, o corpo decai." Não precisei olhar para mim mesmo e perceber que a segunda parte da frase engordava minha conclusão. O problema residia na primeira parte. Sabedoria? Onde?

É difícil se desvencilhar da imagem pop de sabedoria. Uma imagem associada a cabelos e barba branca, isolamento no alto da montanha ou na cabana no meio da mata. Um cajado e um manto completam o clichê mal traduzido por frases enigmáticas, de interpretação múltipla e entendimento incompleto. O sábio ainda estaria por vir, no meu caso. Se vier ...

Descartando a óbvia necessidade de separar sabedoria de velhice, prefiro pensar sobre a segunda. A sabedoria deve tangenciar o pacote. O corpo não é mais o mesmo. Andar de bicicleta me faz pensar várias vezes se o meio de transporte virou peça de museu. Hoje, reflito sobre levá-la ao conserto. A oficina fica a duas quadras de casa, mais distante do que fazer conexões em aeroportos para visitar outro país.

Deixei de lado um de meus prazeres - jogar futebol - há seis meses. Prometo a mim mesmo o retorno, mas sempre há justificativas para adiar a reestreia. Trabalho e descanso, chuva e calor, os contraditórios alcançam o mesmo objetivo do menor esforço.

Percebi, com a idade, que a sabedoria pode estar em pequenos lampejos. Estar mais velho reduziu meus desejos. Não que isso seja ruim; pelo contrário, meus desejos são mais saudáveis - não da perspectiva médica ou biológica - porque são executáveis, terrenos, firmes, palpáveis.

Velho significa, para mim, escolher as lutas, evitar abrir várias (ou novas) frentes de batalhas, construir guerras por razões mesquinhas. Ganhar pode ser evitar o confronto, pode ser deixar que o outro dê a última palavra se o diálogo não me afetar além do campo da retórica, da bravata ou do blefe.

Sinto que é o momento de uma praticidade emocional, de preservação. Recolher as armas e fechar trincheiras para cultivar o silêncio que decorre de tempos de paz. Prefiro escrever a falar. Prefiro ler a debater sem dúvidas. Prefiro ouvir a ter que ser didático.

Estar mais velho me levou para dentro de casa. Permaneço mais tempo recolhido, buscando a felicidade naquilo que tenho, e não naquilo que desejo. O desejo quando saciado comete suicídio, fornece lugar a outro desejo, num ciclo interminável e jamais repetido.

Dispenso - às vezes fraquejo - a angústia por aquilo que não possuo. De fato, me sinto contente de ter cada vez menos. É uma luta diária a procura pelo básico dentro de casa, pelo essencial. Eventualmente, vou ao shopping e me torturo numa livraria para ver o quanto resisto aos apelos pelo meu entorpecente impresso. Na política de redução de danos, passei a trocar, emprestar e tomar emprestado obras literárias, num processo de confiança mútua entre leitores dependentes.

Ficar dentro de casa é valorizar as experiências mínimas com quem está próximo. Esta noite, me senti comovido por estar ao lado de Beth, minha mulher, vendo um filme independente norte-americano, enquanto escutava meus filhos no cômodo ao lado, onde jogavam Pokemon e me procuravam para compartilhar seus sucessos instantâneos. Mínimo e máximo, juntos.

A velhice nos empurra para os cantos, para a percepção de que os detalhes são a diferença sobre o olhar do todo. Noto isso também na minha profissão. Cada vez mais escrevo e me interesso pelas pequenas histórias, pelos personagens comuns, os sujeitos que - verdadeiros na palavra - nos ensinam o poder de uma grande narrativa.

Confesso que, de vez em quando, tenho surtos de escrever sobre temas maiores. A grandeza aqui não é sinônimo de relevante, representa a compreensão - como melhor explicou Karnal - da política como uma necessidade reflexiva, quase ossos da responsabilidade do ofício (esta última parte é minha!).

Tenho amigos que justificam a morte do improviso pela velhice. Discordo radicalmente. A idade me deu a visão de que posso escolher. Planejar ou improvisar são verbos que cabem a partir das circunstâncias, e não o contrário. Certos assuntos, como uma viagem, exigem organização, planejamento, diálogo, sacrifícios previsíveis.

O improviso nos transmite a alegria de uma transgressão leve. Tomar certas atitudes, escolher caminhos, redesenhar uma noite e, acima de tudo, celebrar vitórias. As pequenas, cotidianas, que - quando jovens - pouco ou nada valorizamos pela arrogância de nos julgarmos indestrutíveis.

Vejo, no discurso que assassina o improviso, uma dependência da espera. Aguardar algo para agir. Empurrar sonhos para acumular. O acúmulo que levaria à realização do desejo, depois trocado por outra justificativa de acúmulo porque o desejo se transportou para outro degrau. Desejo que sucumbe à fala corporativa da meta.

Improvisar não é ceder à insanidade, trocar a serenidade pela irresponsabilidade absoluta. Percebi, com a idade, que poderia reduzir o leque de anseios, descartando as ilusões ou, no mínimo, tentando torná-las reais.

Abandonamos certos sonhos por considerá-los delírios. Passamos, com a velhice, a acreditar que muitos desejos seriam, a rigor, impossíveis. Rabugentos ficamos. Viagens, por exemplo, são alucinações se dependermos dos pacotes de agências que brotam em shoppings. Viagens com muita pesquisa resultam em trabalho maior, que nos conduzem à redução de custos e, principalmente, à viabilidade do passeio. Por que não transformar a pré-viagem em motivo para convivência?

A velhice me trouxe o amor pelas pequenas experiências, pelas pequenas coisas cotidianas. Estar com amigos - poucos, não os do mundo virtual - para conversar, beber, comer. Dividir a casa com meus filhos, minha mulher, na convivência da refeição, de um filme, de uma conversa sem propósito inicial. Valorizar seus sucessos, trocar ideias, livros, filmes, opiniões, sem impor o que eles devem crer e ouvir sobre o que acreditam.

Não vejo essa mudança em curso como sabedoria. Vejo como uma possibilidade de aprendizado, de viver melhor, de conviver com afetividade. Talvez seja melhor assim do que lutar contra a parte desta história que decai.

Pela convivência, voltarei a jogar futebol e a andar de bicicleta. Dane-se o corpo gasto.

Obs.: Texto publicado, originalmente, no site Jornalirismo, em 6 de julho de 2016.

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