Na caverna, a ameaça do lobo (Conversas com Beth # 27)


Marcus Vinicius Batista

O lobo é um adversário tão difícil quanto sofisticado. Um amigo acupunturista nos aconselhou a chamá-lo de aliado, mas ainda não estou pronto para esta visão positiva. O lobo é um oponente que tenho vontade de sangrar aos poucos, esquartejá-lo com o combustível dos piores sentimentos. A fantasia do prazer filhote da raiva.

O lobo teve a pachorra de te chamar para uma conversa dentro da caverna (aqui, esqueça a toca, a energia dele só cabe em espaços maiores e profundos). Ele te acompanha de perto, finge desinteresse e escolhe o exato momento para te convocar. Nunca convida, exige atenção exclusiva. Todos em volta, para ele, são invisíveis nesta dança. Um salão escuro para dois.

O lobo é falso, com aquele sorriso de gente que se exibe como espiritualizada, aquela voz de religioso que promete solidariedade enquanto te pune. O lobo nos enganou de novo. Permitiu um aniversário dos mais inusitados e imprevistos e um pacote de Dia dos Namorados provavelmente inesquecível. O problema é, na idiotice de sua intolerância, ele nunca perceberá que nunca, nunca arrancará estas experiências de nós.

O lobo nos forneceu sinais de que desejava discutir a relação um ano depois da UTI. Os recados começam sutis, chegam truncados e crescem conforme a data do encontro se aproxima. Data que não nos informa, que avisará na porta da caverna, de preferência atrapalhando sua vida que caminhava a passos decididos.

O lobo é previsível dentro de sua própria lógica. Sabemos que ele é metódico, te cerca como uma presa pelos mesmos métodos e me impede de interceptá-lo, embora o estude todos os dias através de você. Como a lógica é incompreensível, ficamos à mercê dos caprichos da linguagem dele, a doença.

O lobo fareja e demarca seu território, como muitos animais. Mas, como um ser doentio, estabelece raciocínios tortuosos, que nos confundem, que nos tornam inábeis para compreender seus jogos. Assim, ele ri depois com prazer, não antes de nos conceder uma lição de moral, que me contaminou e me deixou arrependido de reclamar contigo. Ele só sossegou quando você admitiu a bola fora.

O lobo não é como os médicos. Ele não te dá voz. Ele não barganha. Ele não pensa que, em casa, as crianças nos alimentam com alegria e cumplicidade. Ele não te escuta ou abre uma brecha para o perdão. Ele explora nossos erros e os cospe em nossos rostos. Ele nos coloca em ponto de culpa, a ponto de nos esquecermos o quanto avançamos. E avançaremos nos próximos 12 meses de tratamento.

O lobo não se sente confortável com adaptações. Ele não presta atenção em datas ou lugares. Ele ama coincidências. Não as chama assim, tenho certeza. Não acredita nelas. É sua forma de controle.

As consciências malditas envolvem experiências. A tortura psicológica de apostar que repetiremos sentimentos, emoções, sensações. Que sofreremos com o isolamento, as paredes brancas e os jalecos que desfilam à nossa frente.

O lobo não é infalível. Ele vai cair. E estarei lá para testemunhar sua queda. Estamos mais experientes, mais unidos. Não descanso, como você diz. As crianças, Mari e Vini, também compreendem melhor os desvios do trajeto. Sabem que o lobo dormirá até o final desta semana.

Seremos mais disciplinados, mais alertas, implacáveis com quem sempre foi perigoso e traiçoeiro. Você entrou na caverna, olhou para a ameaça com revolta e, na manhã seguinte, exalou serenidade. Daqui, de fora, aposto e sorriu e acenou, como prega nossa cartilha.

Contamos com alguns aliados fiéis, que escutam, conversam e não fogem quando o lobo uiva. Gritam mais alto no seu quarto para reduzir o medo que o som da lúpus provoca depois que anoitece.

O lobo vai querer conversar de novo. Mas de nada adiantará falar, em que tom for, porque estaremos surdos. Sorrindo e acenando.

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