A reprise (Conversas com Beth # 29)


Marcus Vinicius Batista

Na segunda viagem, foram cinco dias de hospital. Classifiquei como sessão da tarde, antídoto para amenizar uma série de sentimentos que brotam quando as coincidências tocam a campainha. E desconto os city tours eventuais.

Quase um ano depois daqueles 19 dias de UTI, esse passeio foi emblemático. Estávamos mais sólidos, mais experientes sobre um assunto que não desejo ensinar a ninguém. Estávamos mais tranquilos, pela serenidade do segundo ataque do lobo, mais disposto a conversar do que arranhar nosso ânimo, nosso caminho.

O passeio, acreditei por ingenuidade, seria simbólico para desfazer algumas impressões alheias. Não sei exatamente por que esperava mudanças, mas em três dias compreendi a obviedade humana, a previsibilidade que deveria desaparecer em situações difíceis. Peço desculpas pela expectativa equivocada.

Sei que não podemos esperar mais do que os outros podem dar. Boa retórica, prática que exige treino. Mas sou esperançoso, de vez em quando. Quando nos sentimos acuados, ainda que com consciência da pressão, torcemos para que o outro saia do casulo da vida editada e se transforme. Que nos auxilie a pular mais um muro, por vezes espinhoso como nosso cansaço.

Confesso o erro, pois deveria saber de antemão que não veria certos corpos presentes ou dispostos nesta semana, mas ver você no hospital novamente dispensou racionalidades e teorias.

A racionalidade resiste no nível mínimo para me tornar um sujeito pragmático em absoluto. Alguém que executará tarefas, pensando, ponderando e associando informações somente para dar fim ao problema hospitalar, o vizinho indesejado. O balanço emocional fica para depois, nos minutos que antecedem o sono de exausto todos os dias. Não reclamo, apenas recarrego e luto de novo.

Acreditei, por 24 horas, que testemunharia um alteração de comportamentos. Que veria gente pensando em outra gente, você internada e, como qualquer pessoa, aberta ao calor e à palavra. Hospital não é passeio no parque, é um endereço em que a humanidade pode ser o melhor dos remédios, o mais forte dos antibióticos. Risadas, velhas histórias, episódios cotidianos, filmes, livros, fofocas, tudo se resume a matar o tempo que se paralisa dentro de um quarto com cores - não há melhor palavra! - hospitalares.

Serei sempre grato àquelas pessoas que não fogem do pau. Amigos de décadas, amigos de reencontros, amigos de sangue, amigos que não se conhecem, gente que tem o termômetro na temperatura correta, capaz de perceber as necessidades do outro sem que ninguém peça.

Só tenho a agradecer quem nos acolheu, fez a companhia a você, abriu alguns minutos (ou horas) da própria rotina para dividir, ouvir, divertir e exercitar a amizade quando um ou dois não conseguem dar conta. Ou mesmo quando conseguem, basta estar ao lado ou ajudar em outras frentes de batalha, além dos muros do hospital, essas que não permitem cessar fogo só porque outra guerra surgiu no horizonte.

A reprise de cinco dias também nos mostrou como se joga fora uma segunda chance. Repito, ingenuamente imaginei que a internação, no ano passado, era uma situação única. É, em certo sentido, mas indicava - e lutei para não perceber - como colhemos justificativas e desculpas para a fuga. Poderia pregar nas paredes do quarto como guias de autoajuda no reverso.

Estar em um hospital nas condições que te envolveram não é compromisso para quem adia. Para quem empurra as poucas oportunidades que temos de demonstrar afeto, a importância com o outro, em instantes de poucas repetições.

Você, neste trajeto longo de combate ao lobo pela enésima vez, sempre precisará de auxílio. Não se admite exército de um homem só. O lobo trucida a solidão. Somos escudeiros que, se não podemos estancar certos sofrimentos, podemos aliviar ferimentos com presença.

Neste quadro, os que fogem tem uma semelhança comum: todos estão acostumados a expor seus problemas para você. Não abrem exceções. Não conseguem perguntar sobre ti, é mais forte do que eles. A surdez é seletiva e o som da própria voz, entorpecente. Conversamos sobre isso e eu compreendo seus argumentos para absolvê-los. Mas isso não apaga a fuga, não elimina que fugiram duas vezes. Não me permite, hoje, colocar embaixo do tapete.

Escrevo para digerir as atitudes deles, para tolerar a covardia de quem pensou em si mesmo. De quem brincou com coisa séria. Medo de hospital que se dane! Ninguém vai ao hospital para fazer compras, para passear, para se entreter. Hospital é não é programinha para o domingo à tarde, depois da macarronada da vovó.

Vamos ao hospital porque alguém precisa de nós. Estar no hospital me esgota, suga minhas forças diariamente, mas escolhi estar ao seu lado e, por isso, engulo minhas dores porque você é a prioridade que encara, por força maior, uma cama reclinável. Não é mérito, é um ato que acredito estar em nós, que acontece com naturalidade.

Não concordo quando as desculpas prevalecem nesse estágio. As pessoas ficam próximas na encruzilhada, na decisiva hora de escolher uma estrada. Abraçar na festa é fácil como nas comédias de sessão da tarde. Assim como é confortável desaparecer - ou encarar como brincadeira - quando se furam as veias alheias.

É humano também, eu sei. Demasiado humano, inclusive. Só penso que, em certas circunstâncias, humanos podem ser egoístas. Ou solidários. Depende de quanto conseguem ver além do espelho.

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