Esperar ensina ... (Conversas com Beth # 17)


Marcus Vinicius Batista

Estou sentado há três horas e meia na mesma cadeira. Fico na parte mais curta de um corredor em L, onde não há movimento de pessoas, pois a porta de acesso é trancada. Posso esticar as pernas, oscilar entre o sono mal dormido e a leitura do romance policial. Posso curtir relativo isolamento, que corta o efeito de ouvir a conversa alheia sem ser convidado. Um comportamento que sei que não evitarei.

Costumamos entrar no hospital por volta das 9 horas. O lenço na cabeça de Beth afasta quaisquer perguntas por parte dos porteiros e das atendentes. Passamos direto e viramos à direita, na oncologia. Em minutos, uma funcionária destrincha a burocracia e nos pede para aguardar. Ela, em minutos, sumirá em cabines depois da porta de vidro. Eu tenho missão de me sentar e esperar.

Ao meu lado, o filtro d’água alivia a expectativa. Muitos copos para o calor de um corredor quase fechado, sem ventilação ou ventilador. De vez em quando, alguém surge para retirar umas revistas, empilhadas em suportes há muito tempo. Menu eclético, da Caras à National Geographic. Li, no mês passado, uma edição de qualidade da Caminhos da Terra, publicada em 1998 e resistente ao tempo.

A cadeira onde me sentei me deixa a cinco metros de Beth, mas a porta de vidro é o muro que nos separa. Não posso entrar lá. Comunicação via torpedo de celular, mas apenas para informar quanto tempo falta para acabar a primeira aplicação. Beth se protege da quimioterapia com a poesia de Manoel de Barros. Eu salivo pela chance de protegê-la daqui a pouco.

O local não é somente de espera. É de desgaste. O ar é pesado e lento, há poucos sorrisos, conversas curtas, que se resumem a bom dia, por favor e obrigado. Gente que duvidaria que parasse em pé. Gente com dor e olhar de esperança para nunca mais voltar ali. Funcionários que esboçam simpatia e chamam pelo nome para construir uma atmosfera de pessoalidade.

Depois que Beth entra para a primeira dose de medicação, eu saio para a primeira dose de qualquer bebida que me mantenha esperto. Café, água, Coca-Cola, suco, eles se revezam como aditivos para uma preocupação com verniz de impotência.

A impotência também é a ausência de ter para onde ir. Mas por que iria? Espero assinando em branco que Beth está bem. As dores nas costas só desaparecem quando durmo novamente. Sou acordado pela própria Beth, sorridente, mas com a mão direita atrelada a uma seringa.

Temos uma hora para nova sessão. Não podemos deixar o hospital. Só há dois lugares para permanecer. O corredor de espera da oncologia está descartado. A desculpa é lavar o rosto, usar o banheiro. Decido comer algo. A cantina está sempre com movimento, mas prevalece o som da TV, em eterna conexão com a Rede Globo.

Como um sanduíche. Beth tomou lanche durante a quimioterapia. E sua dieta é sal zero, algo quase impossível na cantina. No mês passado, conseguimos um sanduíche de frango grelhado, sem sal, com queijo branco e pão de forma, uma exceção no cardápio, negociada com diplomacia numa conversa com a dona do lugar.

Como a segunda aplicação, desta vez de um remédio contra náuseas, aconteceria em meia hora, pensamos em ir para o jardim. Ali, no mês passado, pudemos conversar sobre assuntos mais amenos, Beth dormiu um pouco encostada no meu ombro. Encontramos colegas da imprensa em serviço.

Desta vez, a chuva nos transferiu para um banco de madeira, daqueles de espera de atendimento. Ficamos em silêncio, eu folheava distraidamente Manoel de Barros. A arquitetura do prédio nos prendia um pouco mais, sem que o relógio nos imantasse a cada três minutos.

A segunda aplicação, ao contrário da anterior, é rápida. Cinco minutos. O problema seria o intervalo até a próxima: quatro horas. A experiência de três sessões de quimioterapia nos permitiu planejar este intervalo. Com um carro emprestado, pudemos esperar na casa da Celi e do Marcelo, um casal de amigos que nem mesmo o sobrenome diferente os tiraria da família.

Ficamos no apartamento deles e pudemos almoçar, às quatro da tarde, uma comida saudável e sem sal. No meu caso, sal a gosto. Conseguimos descansar um pouco e pensar em como resolver detalhes logísticos (devolução de carro, ida para casa e ida para o meu trabalho). Às 17h30, a terceira aplicação. Uma injeção rápida, com um minuto de espera. Só que voltar ao hospital duas vezes no mesmo dia altera a sensibilidade ao tempo. Um minuto de resignação, de tarefa a cumprir. Ressuscita o cansaço, as dores musculares, o receio com os efeitos colaterais.

Nunca fui tantas vezes em um hospital. Estar na Beneficência Portuguesa é uma rotina semanal que se perpetuará até o próximo ano. Entre consultas e exames, assinaturas e guias de atendimento, o dia mais cansativo sempre será o da quimioterapia. É entrar pela manhã e sair ao anoitecer.

Na prática, é a segunda visita na oncologia no mesmo mês. O ritual começa dez dias antes. Primeiro, entregar a guia na sede do plano de saúde. São três ou quatro dias de espera. Recebemos um telefonema, retornamos à sede, retiramos a guia aprovada e seguimos para o hospital. Lá, entramos com a papelada para marcamos a sessão de quimioterapia para a semana seguinte.

Esperar tem nos ensinado que o caminho deve ser aproveitado para que se entenda e valorize a chegada. Esperar por Beth na quimioterapia me ensina que o tamanho de nossos problemas podem ser redimensionados. Esperar ao lado de outras pessoas, quase todas desconhecidas, nos ensina a observar a humanidade em cada pele amarelada, cada rosto cheio de vincos, cada lenço que esconde nova perspectiva. Sem queixas, sem choradeiras; pelo menos, naquele corredor.

Esperar pelos efeitos da quimioterapia é saber que teremos novos testes de paciência, principalmente para Beth, às vezes antes do terceiro dia, como prometem as cartilhas médicas.

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