Um anjo do edifício Paraíso




Célia Regina Ignatios de Andrade*

Era linda como um anjo. Espalhava perfume e pureza por onde passava. Seu sorriso era contagiante, sua alegria disfarçava certo mistério no olhar. Não tinha amigos, embora todos do prédio a conhecessem.

Não recebia correspondências, exceto boletos de cobranças. Ninguém sabia por certo o que ela fazia. Saia sempre pela manhã e voltava altas horas da noite. Para onde ia... ninguém sabia.

Certa vez, desapareceu por um longo tempo. Os moradores do edifício perguntavam por ela. Nem o zelador tinha informações. Havia sumido já algum tempo. Numa tarde chuvosa, trajando um sobretudo cheirando a guardado, um boné com marcas do tempo, adentrou pelo prédio um rapaz com certo ar misterioso.

“Vim buscar os boletos da Cristal”, disse ao porteiro.

O homem, intrigado, pergunta ao rapaz qual o grau de parentesco que havia entre eles. O rapaz, sem sorrir, apenas respondeu: “Somos amigos de infância”.

Ainda mais curioso, o porteiro tentou continuar a conversa sem sucesso. Gentilmente, o rapaz apenas olha para o tal curioso, pega os envelopes e sai sem despedida.

Intrigado com a história, o porteiro não tardou a espalhar o fato a todos os moradores que por ali passaram. No final do expediente, como de costume, o porteiro costumava tomar uma cerveja na padaria da esquina. Qual sua surpresa ao enxergar numa mesa bem num canto o garoto sentado, perdido em seus pensamentos.

Ele se aproximou, puxou uma cadeira e se sentou com o amigo da moradora também misteriosa do edifício Paraíso.

“Quer uma cerveja?”, pergunta para puxar conversa.

Agora o rapaz parecia um pouco mais amigável. Deu um leve sorriso e respondeu que já havia tomado seu lanche.

O homem, não querendo perder a única oportunidade de questionar o tal rapaz, foi logo no assunto da amiga que havia desaparecido. O rapaz pouco falou. Falou pouco. Parecia querer esconder seu rosto.

Por trás do casaco preto, do boné desbotado, do rosto tímido, estava um ser tão delicado que por ora parecia lembrar Cristal. Parente? De onde vinham duas pessoas tão misteriosas, tão semelhantes, tão angelicais?

Por algum tempo, o rapaz foi visto rondando as proximidades do edifício. Um dia sumiu também.

Dias depois, Cristal voltou. Alegre e sorridente, parecendo um anjo.

“Seu amigo lhe procurou”, disse o porteiro, desconfiado.

Cristal nada respondeu. Virou as costas e sumiu pelo corredor escuro do prédio que, de Paraíso, só tinha o nome. O boato correu que Cristal havia voltado. O rapaz não fora mais visto.

Esse fato se repetiu outras vezes. Quando Cristal sumia, o garoto aparecia. Depois de algum tempo, Cristal fez as malas, entregou suas chaves ao porteiro e disse que iria embora. Ainda continuaram a ver o amigo dela por algumas vezes pelos cantos das esquinas.

Quem era aquela garota sorridente? Quem seria o rapaz sempre ausente?

Depois de muitas especulações, o fato esclarecido. Aquela bonita menina também era o garoto da esquina.

* Texto que nasceu do curso "Como escrever crônicas", ministrado no Gabinete de Leitura, em Itanhaém/SP.

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