A força de Yoda

Marcus Vinicius Batista

Serei direto, como ele gostaria que fosse. Wagner Tavares é um cinegrafista de Santos que sofre de câncer no estômago, com metástase no fígado. Ele luta contra a doença desde o início de 2013 e já passou por seis tipos diferentes de quimioterapia. Houve melhora no início do tratamento, mas, desde então, a doença só se agravou.

Wagner não desiste. Ele colocou no ar, nos últimos dias, um site chamado “Desafio: Cure o Yoda”. Yoda, aquele Jedi verdinho do Star Wars que fala ao contrário, é o apelido dele há mais de duas décadas. No site, Wagner trabalha com as armas que melhor maneja. Expõe informação detalhada, utiliza imagens, comunica-se de forma clara, objetiva e contextualizada. Coerente com sua caminhada como cinegrafista e estudante de Jornalismo. Wagner se forma este ano pela Universidade Santa Cecília e, provavelmente, receberá aquela medalha tradicional de melhor aluno da turma.

O site é talvez a última fronteira para alguém que não deixou o câncer paralisar a própria vida e das pessoas próximas. Wagner só deixou de cumprir algum compromisso quando o corpo estava combalido pelas bombas químicas. Mesmo assim, retornava à rotina universitária o mais rápido possível. A universidade e seus jornais, sites e programas eram um dos combustíveis contra a doença.

Wagner criou o site porque precisa de informação. Novidades sobre tratamentos, grupos de pesquisa, novos medicamentos, outras experiências são princípios ativos e bem-vindos nesta altura da guerra.

Eu o conheci no começo da minha vida como jornalista, lá na primeira metade da década de 90. Tenho orgulho de dizer que produzi, ao lado dele e do repórter Guilherme Marcondes, uma matéria especial sobre Aids para a extinta Rede Manchete, na época em que a doença estava impregnada de estereótipos como “Mal Gay” e outras baboseiras moralistas.

Em 2013 e no ano passado, fui professor dele na Universidade. Professor é termo relativo porque, entre outros pontos, tinha que “ensinar” a ele elementos básicos do Telejornalismo. Sem hipocrisia, em muitos momentos, diálogo é a melhor palavra para definir aquela relação em sala de aula. Wagner já combatia o câncer e nunca se escorou na doença.

No início deste ano, tivemos uma longa conversa sobre Jornalismo e o momento da profissão. Wagner não fazia planos para si mesmo ou sonhava com metas utópicas. Ele também estava preocupado com a qualidade de ensino que o filho recebia na escola. Sempre se disse realista. Aqui, discordo dele. Só um otimista é capaz de encarar o câncer com trabalho e estudo, além de virar a bússola para os mais próximos, sem arrastá-los para um mar de desesperança.

Com este retrospecto, me sinto confortável em escrever sobre algumas coisas que o Wagner não quer neste momento. Ele se recusa a fazer ou testemunhar cara de choro, olhar de piedade, batidinhas de ombro de compaixão ou perguntas que o coloquem como vítima. Ele precisa dar o passo seguinte, com firmeza, porque nas palavras dele, tem que “ajudar na carreira da mulher e na educação do filho adolescente para a vida”.

Wagner também não quer orações. Ele é ateu e, como escreveu, respeita os religiosos, mas não as religiões. Ele compreende a “benevolência incontestável” da religião como objeto científico, mas espera entendimento sobre sua crença. Antes de ser ateu, é humano, com o perdão da obviedade para aqueles que poderiam associá-lo a alguma postura imoral, pervertida ou indigna de solidariedade.

Wagner não quer se tornar mártir, herói ou arauto do combate ao câncer. Wagner quer a cura, simples assim. Não há ilusões, elucubrações ou pavores sobre a morte. A palavra que todos querem manter mais distante possível do câncer é posta por ele, às vezes, na mesma frase. O Yoda quer viver, mas sem cortinas de fumaça sobre um dos pontos de chegada. Realista.

Sem saber, Wagner me ensinou muito e reforçou velhos – mas não obsoletos - conceitos. Perseverança, ausência de vitimização, a importância do trabalho duro e da informação, entre outros comportamentos.

Seus ensinamentos, antes elementos retóricos em nossos diálogos, se transformaram em vida prática. Minha mulher, Beth, esteve internada numa UTI por duas vezes no último mês, por conta da reativação da lúpus, uma doença autoimune. Numa delas, ganhou de presente uma sessão de quimioterapia. Na próxima semana, haverá outra. Serão, no mínimo, nove sessões. Dois anos a percorrer, com om pragmatismo de enterrar o lobo debaixo dos braços.

Ninguém sabe por quanto tempo durará a batalha do Wagner nem qual será o resultado final. No momento, o jogo está difícil. O que aposto – e agora falo de fé mesmo, o único remédio contra a incerteza – é que verei Wagner no começo de 2016 recebendo o diploma de Jornalista. Será somente um ritual, pois Wagner é jornalista desde o começo dos anos 90, mas como rituais existem justamente para reforçar – simbolicamente – o esforço de uma trajetória, ele tem que estar lá.

Wagner, um exemplo. Yoda, a força já está com você!

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