Os sons do progresso


Beatriz Franco

Mariana deita na cama para dormir. Já passa da meia-noite e o dia foi cheio. Tudo o que quer é o silêncio característico de sua terra para descansar. Foram mais de quatro anos morando em São Paulo; primeiro perto do Masp; depois, ao lado da Paulista até chegar ao lado da Avenida Bandeirantes. Por isso, mesmo depois de vários meses de volta à Santos, o silêncio até nas principais avenidas da cidade ainda a espanta.

Sempre soou estranha (com o perdão do trocadilho) a normalidade com a qual os paulistanos lidavam com o caos sonoro da capital. Pensava como era possível se manter equilibrado sem um minuto de silêncio. Mas isso passou.

Adormecendo, naquela fase em que não se sabe se é sonho ou realidade, a garota escuta o barulho de um caminhão acelerado. Depois outro. E mais outro. Essa rua sempre foi tão calma e o vizinho caminhoneiro nunca chega de madrugada. Na sequência, o barulho é da voz da linha azul do metrô: “Próxima estação: Conceição”.

Mariana senta na cama num pulo, exatamente como aquelas cenas de pesadelos dos filmes, e olha em volta. O quarto é o mesmo, no apartamento onde cresceu no Marapé, mas os sons não combinam com o ambiente. Tudo bem, os tempos mudaram, agora aqui em volta já tem o Aquaplay, o Bossa Nova, o Way, todos condomínios enormes.

Os carros também triplicaram, a quantidade de pessoas reservadas e/ou mal educadas também tem chamado a atenção, nada parecido com os anos anteriores, quando conhecia todos do prédio e muitos vizinhos da rua, mas... Não! Para!

A garota se revolta, levanta da cama e abre a janela. Subitamente, o quarto é invadido por buzinas, pessoas brigando, cheiro de cigarro e freadas violentas de caminhões. De repente, uma rajada do abafado vento noroeste - típico da cidade - bate na janela e Mariana acorda. Dessa vez, de verdade. Respira, respira, olha para os lados. Agora somente os sons do motor da geladeira na cozinha e do vento nas árvores lá fora.

O Aquaplay, o Bossa Nova e o Way continuam ali, ameaçando a calmaria do bairro antes simples e, cheio de casas, mas ainda estão semivazios. Existe esperança. Pelo menos por esta noite, apenas os sons do vento e da chuva fina que começa a cair acompanham o silêncio tão característico da vida caiçara. Boa noite.

Obs.: 2º texto a partir do curso "Escrita Criativa", ministrado no Espaço Certo, em Santos/SP.

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