A hora




Edwar Fonseca

A hora chegou. Muita apreensão no ar. Não podemos desistir. Não há volta. Estamos nos preparando durante meses para encarar este momento. Em breve, estaremos com todos outros envolvidos.

Manter a calma, pensar em tudo o que nos foi ensinado. Pego as malas, a chave e o documento do carro, nossos documentos, tudo pronto.

É cedo ainda. Não temos muita pressa e nos movemos lentamente para não causar espanto nas pessoas que, por acaso, encontremos em nosso caminho. Descemos pelo elevador, entramos no carro sem falar com ninguém, temos um foco, um objetivo em mente.

O trânsito está normal, vamos com calma. Não há muito o que conversar. Apenas lembrar de tudo o que nos orientaram.

Chegamos. Estacionamos o carro. O silencio predomina. O lugar tem um clima bucólico, de paz. Árvores balançam levemente ao sabor do vento. Escadarias levam até a entrada. Muitas pessoas estão aqui, algumas com o mesmo objetivo, umas se conheciam e outras não.

Mal chegamos e já levaram minha esposa e disseram que em breve me chamariam. Tinha que ser um por vez. Estou levemente apreensivo. O que farão com ela que não pode ser na minha presença?

Então me chamaram. Minha esposa não está mais ali. Porque ela não está ali? Me deram uma roupa e obviamente está subentendido que é para eu vesti-la. Estou sozinho, vestido estranhamente, me olhando no espelho, espremendo os dedos, pensando no nada, andando de um lado para outro, rangendo levemente os dentes. Vamos, me chamem!

Passaram os intermináveis 5 minutos, eu ouço: “Pode vir. Entre na segunda sala à direita.” Não havia praticamente ninguém no corredor, mas eu ouvia vozes. Cheguei na porta da sala. Vejo aquele rosto, calmo, responsável, de quem faz aquela atividade há muitos anos com muito amor e prazer; não havia qualquer receio em entregar a ela a vida das duas pessoas que mais me importam neste momento. Minha esposa e minha filha, que estava chegando ao mundo.

Não sei o que fazer direito, se olho para a barriga aberta, se fico do lado da doutora, se seguro a mão da minha esposa, se ligo a máquina fotográfica. Dou um beijo na minha esposa para mostrar que estou ali ao lado dela. Tento acalmá-la, segurando sua mão. Ela se sente mais confiante.

Faz muito calor na sala. A doutora sua a cada movimento que faz. O suor é limpo pela assistente. Minha esposa pediu que desligasse o ar condicionado, ela estava com frio.

Estou atrás do pano que dividia minha esposa ao meio. Parecia um boneco. A cabeça e os braços se mexiam, mas da cintura para baixo, estático. Vejo o esforço da doutora, mexendo daqui e dali, enfiando a mão dentro da barriga da minha esposa.

Não sai da minha cabeça: algo errado? Não era para ser mais simples? Porque a maca balança tanto? Pingou suor da doutora dentro da barriga da minha esposa?

Então, um berro! Minha filha saiu lavando a sala com xixi. Ficou ali na maca lateral com as perninhas arreganhadas, toda vermelhinha, berrando e eu pensando: o que eu faço? Vou ali, fico aqui, tiro foto?

Fico olhando para ver se colocam o nome dela no braço. Sim, está ali. Tiro foto da fita com o nome. A doutora diz que foi tudo ótimo. A pediatra diz que o teste do primeiro minuto está ótimo. Mas eu não ouço nada, não vejo mais nada, estou apenas inerte, com vontade de chorar.

Meu relógio interno parou, exatamente naquela hora, nada mais tinha importância do que aquele momento que seria eterno. Uma hora eterna. Infinita.

Obs.: 24º texto a partir do curso "Como escrever crônicas", ministrado na Realejo Livros, em Santos. 

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