O Estadão



Maria Luiza*

— Senhores passageiros, estamos começando o processo de aterrissagem. Portanto, voltem aos seus lugares, afivelem os cintos e ponham suas poltronas na posição vertical.

Que ansiedade, sentia ela, louca de vontade de entrar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, retirar a bagagem na esteira e procurar o Sr. Carlos, taxista contratado para buscá-la.

Depois de 40 dias fora do Brasil, a maior vontade dela era parar em uma banca de jornal para comprar O Estadão. Precisava saber como estava o país, a política, quem teria falecido nesse mês e meio de ausência. Tinha sede de notícias de São Paulo.

E a falta de água, será que nesses dias choveu? Será que choveu na Cantareira?

E esse avião que ainda não desceu. O comandante informou que ainda não tinha ordem da Torre para descer. O tráfego aéreo era grande porque era domingo e final das férias de janeiro.

Mas e O Estadão? Era tão cedo ainda, 5h30 da manhã, seria difícil encontrar alguma banca aberta.

Quando saiu do avião, ela correu para retirar a mala da esteira e procurar o Sr. Carlos. Qual era mesmo a cor do carro dele? Por que, marca, não iria se lembrar.

Saiu pelo Portão de Desembarque n. 3 e logo viu o Sr. Carlos acenar-lhe do outro lado da rua. Foi o mais rapidamente que pôde, com certa dificuldade, porque faltava uma das rodas na única mala que trazia. Tão logo o taxista guardou a mala e deu a partida no carro branco – continuou sem saber a marca do automóvel - pediu que parasse na primeira banca aberta, para comprar o tão esperado O Estadão.



O Sr. Carlos, depois de desejar-lhe boas vindas, começou a contar o que se passara durante esses 40 dias.

— A política, um horror. Estão querendo fazer um impeachment contra a Dilma. Afinal, é uma cínica, tanto quanto o seu padrinho. Ah, esse Lula, é uma falta de vergonha... como prometem bem e cumprem tão mal...., contou, exasperado.

E continuou o discurso.

— A água aumentou, apesar de estar faltando por culpa dos governadores que nada fizeram. E a falta de luz, apagões e apagões sem parar. Mas a presidente afirma que não há apagões. Que só houve na época do Fernando Henrique. E se a senhora soubesse os preços das feiras livres, dos supermercados; então, não há palavras para expressar os absurdos. Está tudo pela hora da morte. A senhora vai sentir no bolso. Tudo dobrou.

Mesmo com esse falatório “informativo”, afinal dizia o dito popular: “o taxista é a voz do povo”, ela prestava atenção no motorista em todas as bancas que passavam. Mas ainda estavam fechadas. Também mal passava das 6 horas do domingo.

— Agora, continuava ele, os crimes, assaltos, ah!, são uma constante. Eu mesmo tenho medo de trabalhar à noite. Eu não quero deixar minha mulher viúva e meus quatro filhos órfãos porque o Estado não vai garantir os estudos, o arroz e feijão na mesa, não vai mesmo. O governo só beneficia quem vota nessa corja.

O noticiário parecia próximo do final, até porque estavam chegando ao destino.



— Uma das ciclovias que o Haddad havia mandado pintar de vermelho, com a chuvarada que houve, o vermelho foi pelas ruas abaixo, um show bem colorido.

Certo de estar sendo um ótimo informante, o taxista disse, com euforia:

— Quanto aos políticos, não há nem o que dizer. Que classe nojenta, a senhora não acha? Imagine que...

E, assim, falou até acharmos a primeira banca que estava aberta.

O Sr. Carlos parou o carro, se voltou para ela e disse que iria buscar o jornal. Ela, um tanto quanto desolada, respondeu:

— Obrigada, Sr. Carlos, já não é mais necessária a compra do jornal. Já sei de tudo.

Obs.: 6º texto da série a partir do curso "Como escrever crônicas."

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