O silêncio e a solidão


Beth Soares

Mais uma noite. E lá estava Antônio, novamente. Entrou e fechou a porta do seu minúsculo apartamento no centro da cidade. Jogou as chaves sobre o sofá de dois lugares, o único que cabia em sua saleta. O mundo estava lá fora. Ali dentro, estava em um universo paralelo. O seu universo.

Caminhou pelo ambiente quase vazio, ouvindo o som dos seus passos. Lembrou-se do barulho da casa de seus pais. Era de uma família grande, festeira. Antônio nunca se sentira, de fato, um membro dela.

Nas festas, ao longo de toda a infância e a adolescência, conversava com todos, ouvindo de lamentações a surtos de pseudo-superioridade. Divertia-se com a mediocridade dos que se achavam sábios e aprendia com a sabedoria dos que se achavam menores. Mas logo se entediava e desejava ir embora, mesmo sem saber para onde. Queria paz, queria sair dali, refugiar-se.

Voltou exatamente para o presente. Olhou ao redor e enxergou as paredes brancas, que agora pareciam ainda mais pálidas e frias. Pensou que talvez uma outra cor, algum tom pastel, melhorasse aquela aparência. Os poucos móveis na casa davam-lhe a impressão que estava sempre de saída ou que a chegada nunca se dera por encerrada. Era como se não pertencesse a lugar nenhum.

Abriu a geladeira e olhou para os ímãs da porta. Eram presentes de amigos, trazidos de várias partes do país e de fora dele. Pensou que entre os amigos também não se sentia feliz. Divertia-se até onde conseguia, mas nunca o suficiente para poder afirmar que estivesse alegre ou satisfeito, mesmo nos lugares aparentemente mais agradáveis. Em algum momento, sempre sentia falta do silêncio.

Pegou uma garrafa de vinho branco, gelado. Lembrou-se da namorada. Não estava ali porque era muito ocupada. Ele, sempre calado, observava-a invertendo as prioridades da vida. Achava que ela trabalhava muito para ter uma vida melhor, mas se esquecia de que uma vida só é melhor se for vivida.

Em meio a reuniões de trabalho na empresa, ligações importantíssimas e e-mails que precisavam ser respondidos imediatamente, ela nunca teria tempo para esse tipo de conjectura. Estava sempre atrasada, em busca da vida que não percebia já ter, esquecendo-se de apreciar o presente.

No fundo, não fazia questão da presença dela. Os dois eram iguais, concluiu. Riu dela. Um riso pesaroso. Riu de si mesmo. Tentou imaginar algum futuro ao lado dela. Não foi capaz. Bebeu um gole de vinho, na garrafa mesmo, para logo depois deixá-la de canto, como tantas vezes fizera consigo.

Foi até o seu pequeno quarto, abriu a gaveta do criado-mudo, que ainda cheirava a madeira nova, e de lá retirou uma pequena caixa de papelão decorado. Abriu-a e viu algumas pilhas de fotos. Ali estava muita gente que havia muito não encontrava.

Acariciou as imagens felizes daqueles que deixou para trás. Percebeu que não eram poucos. Apertou as fotos contra o peito. Também ele fora deixado para trás. Uma marchinha de Carnaval veio-lhe à mente. Cantarolou até sentir as lágrimas explodirem, pesadas, em seus olhos.

Finalmente conquistara o que tanto queria. Estava só.

Obs.: Texto publicado originalmente no site Jornalirismo e no blog Poesia Cotidiana, em março de 2011.

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