O poeta no olho da rua


Márcio Calafiori

Alex Sakai foi o primeiro poeta de verdade que conheci. Era 1983 e eu tinha acabado de entrar na faculdade de comunicação. Não faz tanto tempo assim, mas a mudança a partir da internet foi tão visceral que parece que estou falando do século retrasado. O fato é que em 1983 ainda olhávamos para um escritor com espanto e reverência. A faculdade promovia concursos literários, havia gente que rodava revistinhas alternativas e poetas que vendiam versos mimeografados na rua, de bar em bar. 

A Coleção Picaré publicou obras de 11 poetas de Santos
na década de 80. Entre eles, Alex Sakai

A revista Mirante, do Valdir Alvarenga, sobrevive até hoje nos moldes desse conceito alternativo. Em suma, no início dos anos 1980 achávamos que a arte ainda era capaz de mudar o mundo ou pelo menos influenciá-lo. Talvez fôssemos jovens demais, mas a missão dos jovens é acreditar.

Sakai tinha a aura do poeta, era o próprio poeta em carne e osso. Ao depará-lo, de pronto me vinha a imagem categórica de algum bardo romântico sobre o qual eu lera nos livros e me assombrara a imaginação. Acompanhei os preparativos de Caosurbanocromia, que completa agora trinta anos. 

Influenciado pelo surrealismo, Alex Sakai cercou o livro de dimensões. Não bastava a palavra impressa no papel, o que para mim já seria um feito. Não, era preciso mais. No bar ao lado da Faculdade de Comunicação de Santos, um tanto quanto performático ao falar da obra que ainda estava na gaveta, Sakai irradiava energia conceitual: “Caosurbanocromia é a dimensão anárquica da matéria onírica.” Mesmo numa conversa casual, ele falava exatamente assim. 


Três décadas depois, Caosurbanocromia permanece como um clássico absoluto desse período em que era importante ser poeta. Mas pensando bem esse sentimento talvez não passasse de mera ilusão. Em dezembro de 1984 — pouco de um mês depois de ter feito o lançamento de Caosurbanocromia na Associação dos Médicos de Santos —, Sakai promoveu uma nova estreia do livro, dessa vez no Torto. Quase ninguém apareceu. O bar tinha um slogan: “Fique torto. Você tem direito.” 

Frustrados, os poucos amigos que compareceram ao evento ficaram tortos demais — pois tinham direito —, mas foram devidamente postos no olho da rua, incluindo o próprio poeta e os exemplares da obra.

P.S. — O poeta Alex Sakai estará em Santos no próximo dia 24 de julho para comemorar os trinta anos de Caosurbanocromia. O evento será no Teatro do Cais, às 20h30. O endereço é avenida Rangel Pestana, 150, na Vila Mathias. 

Comentários