A bela e a fera

Wanessa Simons - foto: Marcos Piffer

Texto publicado originalmente, na seção Praia e Eu, na revista Guaiaó, número 4. 

O tamboréu é um esporte de hipóteses. A primeira delas indica que a modalidade, trazida por imigrantes italianos no pós-guerra, é um terreno masculino. A suposição seguinte nos aponta para um jogo praticado por ex-atletas, muitos com vitórias e derrotas também acumuladas na região abdominal.

O tamboréu também costuma ser visto como um esporte que se aproxima da recreação, em que competitividade é personagem coadjuvante. E a quarta hipótese se constitui no comportamento que você, leitor, manifestou até o momento: paciência. Longas trocas de bola e pontos com minutos de duração marcam as partidas à beira da praia ou no saibro (terra batida) de clubes como Portuários, Internacional, 2004 e Portuguesa Santista.

A moça na foto acima está realmente em seu habitat. Ali, ela vem demolindo – há quatro anos – adversários de ambos os sexos, assim como derruba na areia todas as premissas que cercam o tamboréu.

Wanessa Alonso Teixeira Simons, de 39 anos, é uma dona-de-casa que descobriu o esporte genuinamente santista durante o treino numa academia. Convidada por uma amiga, ela resolveu conhecer o mundo dos tambores, que mal prestava atenção enquanto corria na beira do mar. No primeiro dia, um sábado, o desempenho foi um desastre. “Não acertava uma bola na quadra. A única coisa boa é que mostrei aptidão por jogar com os dois braços”.

Em duas semanas, ela foi inscrita no primeiro torneio. Ficou em segundo lugar. “No começo, era difícil. Chorava de raiva, em casa, quando perdia.”

Hoje, é uma das melhores jogadoras da região. Em 2010, terminou o ano como primeira colocada no ranking da categoria B. No ano seguinte, promovida à categoria A, fechou a temporada também no topo da lista.

A partir de 2013, jogar entre mulheres deixou de ser prioridade. Ela e a parceira Simone Almeida disputam as categorias D e C, no masculino. “É mais fácil lidar com homens. Não tenho a mesma paciência com elas.”

Paciência é palavra-chave para entender Wanessa e a forma dela jogar tamboréu. Ela joga como fundista, normalmente responsável por bolas defensivas e por cadenciar a partida. Wan, como é chamada pelos colegas, se tornou “fundista atacante”, pela força dos golpes e pela velocidade com que deseja concluir os pontos. “Se pudesse ganhar só no saque, estaria bom.”

A performance a levou à França, para participar do Mundial, em 2011. O Brasil faturou o título na categoria B. Na França, as quadras têm 80 metros de comprimento por 20 de largura, o dobro da versão brasileira. O tamboréu é maior, com alça e de nylon. “Não gostei. Não houve tempo de adaptação.”

Wanessa é perfeccionista. Treina às terças e joga nos finais de semana e feriados, inclusive machucada. Numa partida recente, jogando com homens, machucou o tornozelo e permaneceu até o final. “Deixar a quadra reclamando de dor, entre eles? Não quero ser meia boca. Quero ser a boca inteira.”

Os exercícios diários cobraram o preço. Wanessa passou a temer por lesões por stress. Ao procurar um profissional especializado, no final de 2012, a vida e o jogo mudaram. Ganhou em equilíbrio e paciência na quadra. Reduziu a carga de treinos diários, que incluíam corridas e duas horas de academia.

O tamboréu significa, para ela, a extensão de casa. A filha Gabriela, de 13 anos, e o sobrinho Victor, de 14, praticam o esporte. O marido Paul Simons se tornou jogador e também disputa torneios. Ele, por sinal, é o pior adversário. “Paul acerta bolas impossíveis quando joga contra mim. Na quadra, não há casamento.”

Em 2011, os dois se enfrentaram, em duplas, no Ipê Open, em São Paulo. A partida valia vaga para a semifinal. Quando conta sobre os jogos, Wanessa usa gestos para reproduzir os golpes. “Quadra lotada. Todo mundo quer ver marido e mulher como adversários.”

Até hoje, não se conforma que, após vencer o primeiro set e com 8 a 6 no segundo, ela e Simone permitiram que o marido e o parceiro virassem a disputa. Final: 2 sets a 1. A indignação aumentou porque Paul e o parceiro foram eliminados na fase seguinte. “Ainda bem que meu marido é calmo.”

Wanessa, com o novo ritmo de treino, está em metamorfose. Mas ainda cultiva alguns hábitos. Não abandona o tradicional tamboréu de madeira, mais pesado e que exige mais força do que os tambores de rede. E segue na obsessão de decidir os pontos no fundo. É o recado de quem se recusa a matar a fera que existe dentro de si. “Jogo como um ogro. Sou a Fiona deste esporte.”

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