Apenas seres humanos

Visitei um amigo há cerca de dois meses. Era um encontro de rotina, para colocar o papo em dia, trocar impressões sobre filmes, seriados de TV e cultura pop em geral. No meio da conversa, Eduardo (nome fictício) se queixou que um casal de amigos – com quem não possuo relacionamento comum – se afastou dele. 

— Os dois começaram a me pressionar de repente. Fizeram um monte de perguntas. Quando ele foi ao banheiro, ela reclamou de um casamento falido. Quando ele retornou, os dois se uniram e atiraram: “Você é gay?”

— E o que você respondeu?

— Eu disse que sou bissexual. Gosto de gente, pôxa!

Lembrei-me dele quando soube que 17 de maio é o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia. Mais do que discutir a rejeição óbvia aos casos de violência física nas cidades brasileiras, uma data como essa precisa servir para colocar em discussão os pequenos atos de maldade e preconceito que ocorrem no cotidiano.

São aquelas ações cometidas por pessoas que se julgam de bem – e provavelmente muitas delas o são -, e presentes na ingenuidade de quem não consegue enxergar o quanto fere o outro com o silêncio, a invisibilidade, as brincadeiras nas relações triviais e com os ouvidos lacrados para não escutar o que precisa ser dito como libertação de um armário por vezes claustrofóbico. Ou simplesmente não abrir a boca e deixar a vida seguir adiante.

Somos amigos há quase 30 anos. Nós nos conhecemos desde a infância. Estudamos na mesma escola por seis anos. Fomos vizinhos por mais dois anos. Ele foi meu padrinho de casamento. Esteve em festas de formatura e outros eventos importantes que carimbam e renovam uma amizade.

Nunca me senti no direito de perguntar coisa alguma. Se o incomodasse, certamente falaria sobre o assunto. Como aconteceu em diversas ocasiões, quando relacionamentos afetivos se transformaram em dores que pareciam incuráveis. A regra era o diálogo; logo, era um canal de conversa para ambos.

Trata-se de uma amizade anterior à velocidade de rede social, que pare e assassina relações por futilidades. Entendemos, assim como muitas pessoas, que amizade não significa a urgência de torpedos ou de ligações telefônicas para dizer nada. Se for necessário, nunca envolverá cobranças.

É uma amizade na qual segredos podem ser compartilhados. Confidências podem ser feitas, sem que o machismo alheio aponte o dedo que insinua comportamento sexual em curso. Nem que o discurso ou a pauta dos diálogos sejam características de afeminados ou fraquezas humanas. Tristes são os homens que ainda creem que chorar é coisa de menina. Até porque também choram e acumulam mais uma culpa no cantinho de seus quartos.

Este amigo já cansou de ouvir insinuações de homossexualidade – para usar uma palavra politicamente correta e não reproduzir as grosserias – somente por ficar meses sem namoradas. Isso implicou também em brincadeiras despretensiosas – na opinião de quem as faz – traduzidas em perguntinhas. “Ele é seu namorado?”

Quando a reação é compatível com a violência, nasce a expressão de surpresa e a máscara de vítima. “Só estava brincando. Mas ele é estranho, não é?” O agressor sempre precisa se sentar sobre a última palavra.

Após me contar sua condição sexual como se eu soubesse – e, de fato, sabia -, o que mudou entre nós? Voltamos a conversar sobre cultura pop, como dois seres humanos, e não dois rótulos diferentes em forma de gente.

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