Rose e a selva de pedra


Por Márcio Calafiori

— Alô, boa-tarde! Por favor, o Sr. Márcio.

— É ele, pode falar.

— Alô, Sr. Márcio, quem fala aqui é a Rose, representante do Banco XXX.

— Pois não...

— Tudo bem?

— E com você?

— Tudo ótimo! Mas com o senhor está melhor ainda, não?

— Por quê?

— Cinquenta e cinco anos, muita vida pela frente...

— Quantos anos mais você acha que eu vou viver? Seja sincera, Rose.

— Ha, ha, ha... Eu não sou vidente, mas sei que o senhor acaba de se aposentar. Que boa notícia, a melhor do ano!

— De fato, é uma boa notícia, sim. Mas como é que você sabe disso, Rose?

— Ah, a *Dataprev enviou todos os seus dados para nós, eles costumam passar a lista dos novos aposentados para a rede bancária.

— Com você eu posso desabafar, Rose, pois me parece uma moça confiável. Por que a Previdência divulga esses dados? Isso não deveria ser sigiloso? Como aposentado, estou indignado e perplexo.

— Ah, não fica chateado, Sr. Márcio, eles sempre divulgam essa lista... Estou com a sua memória de cálculo bem aqui na tela do meu computador. Interessante...

— O quê?

— ...o senhor foi aposentado com tudo isso, quase o teto?

— E daí, Rose? Acabei me tornando um sujeito caro demais, pois só bebo chá importado.

— Ha, ha, ha... Eles fizeram uns acertos aqui, deixa eu verificar... Ah, é a diferença do que lhe pagaram a menos em novembro e dezembro, quando o senhor ainda recebia o auxílio-doença. Ah, tem dinheiro para o senhor receber imediatamente! Quer saber quanto?

— Rose, eu já fui ao banco e raspei tudo.

— O quê? O senhor não perde tempo, hein?

— Sou rápido no gatilho, Rose!

— Ah... a sua agência bancária é no Itararé, em São Vicente! Eu morei anos em São Vicente. Conhece a Praia do Gonzaguinha?

— Você morou no Gonzaguinha?

— Não, eu morava mais afastada, mas gostava de pegar praia no Gonzaguinha. Que visual lindo, que tempo bom... Ah, que saudade...

— O visual combinava com o seu biquíni, Rose?

— Ha, ha, ha... Agora eu moro aqui nesta selva de pedra, São Paulo. Sabe, Sr. Márcio?...

— Pois não...

— O Banco XXX quer dar para o senhor, para o senhor iniciar a sua nova vida, trinta e quatro mil, quatrocentos e cinquenta reais. O que me diz?

— Como assim? Eu fui sorteado? Não acredito! Me belisca, Rose!

— Ha, ha, ha... Não, Sr. Márcio... Eu quero dizer que agora o senhor pode fazer consignado, e nem precisa se preocupar, pois a Previdência Social já desconta do seu benefício as parcelas do empréstimo. O senhor aceita os trinta e quatro mil, quatrocentos e cinquenta reais e depois a quantia vem subtraída mensalmente, aos pouquinhos, e com a taxa de juros bem abaixo da que é praticada no mercado, pois se trata de consignado. O senhor nem vai sentir o impacto, eu garanto. O Banco XXX reservou essa oportunidade única para o senhor. Que tal?

— Não sei, Rose... O que você me recomenda?

— A minha sugestão é que o senhor pegue o empréstimo, pois ele já é seu, basta apenas me ligar.

— Não me tenta, Rose!

— Não tem erro! Anote o meu telefone: (11) XXXXXXXX. Se outra menina atender, mande me chamar. Trabalho das 15 às 21 horas. E vá curtir, vá viajar, Sr. Márcio, aproveite, pois a vida é curta! E eu aqui nesta selva de pedra...

— E vou gastar essa grana toda sozinho, Rose?

— Sr. Márcio, me liga... Pega o empréstimo e me liga...

— Tá falando sério, Rose?

* Dataprev: Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social.

Comentários