A senhora cega e as pessoas "de cor"



A Fifa finge que não dói e os casos se repetem. Na semana passada, mais dois problemas de racismo no futebol italiano. O abandono do Milan, no amistoso contra o Pro Patria, da quarta divisão, cujos torcedores xingavam o meia Kevin-Prince Boateng.

No último domingo, parte da torcida da Lazio foi abafada por vaias, após executar cânticos racistas contra o atacante colombiano do Cagliari, Victor Ibarro. A partida valia pelo campeonato nacional.

O governo italiano pediu, na última segunda-feira, medidas mais duras contra as torcidas racistas. A ministra do Interior, Annamaria Cacelieri, defendeu o gesto do Milan e a exclusão de torcedores dos estádios.

Enquanto isso, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, novamente se fez de velha senhora. Agarrado a velhos valores, paquidérmico nas decisões, Blatter reconhece o óbvio – a delicadeza do problema -, mas a entidade permanece sem tomar medidas drásticas contra a discriminação racial no esporte. Justifica a inércia com burocracia.

Os incidentes se multiplicam pela Europa e não são novos. Houve suspensão de jogador na primeira divisão inglesa na temporada passada. Inúmeros conflitos na Copa Europeia de seleções, na Polônia e na Ucrânia, em 2012. Jogadores brasileiros foram chamados de macacos em partidas no Leste Europeu e no Campeonato Russo.

Quem não se lembra do camaronês Samuel Eto’o, que abandonou uma partida do Barcelona em março de 2006, contra o Zaragoza? O mesmo atleta foi xingado por torcedores do Cagliari, quando atuava pela Internazionale, de Milão.

O Milan está absolutamente correto em abandonar o campo diante de insultos racistas, embora permaneça a dúvida se a mesma medida seria tomada em partidas oficiais pelo campeonato nacional. Ao menos, um time da elite internacional resolveu se manifestar com veemência e ressuscitou o assunto na mídia.

Independentemente disso, os donos das canetas ainda fazem vistas grossas para o problema. Clubes são co-responsáveis por seus torcedores, muitos deles pertencentes a facções com trânsito livre entre dirigentes, e, por isso, merecem perder mandos de jogos, pontos e até serem suspensos de participação em campeonatos.

Como o futebol é tratado e funciona como negócio, nada mais coerente do que mexer no bolso das agremiações. Jogar com portões fechados – e sem renda – seria outra sugestão para punir os coniventes.

Racismo é um ato criminoso e deve ser visto como tal. Torcedores racistas devem ser identificados e responsabilizados criminalmente por suas ações. Seria o mesmo tratamento dado aos hooligans, que ainda se multiplicam pela Europa, mas tiveram seu raio de ação reduzido por programas de tolerância zero.

É evidente que o futebol representa um termômetro da sociedade onde está inserido. É caixa de ressonância cultural, política e econômica. Mas esta justificativa serve como instrumento de naturalidade para um tumor social que precisa ser extirpado dos estádios. E não adiantam mais comerciais de TV ou faixas de boas intenções quando jogadores entram em campo. As campanhas supostamente educativas se mostraram estéreis. 

Até quando assistiremos a declarações omissas, como a do presidente da Fifa, ou cínicas, como do presidente do Pro Patria, que ofereceu as tribunas do estádio para as pessoas “de cor”? Quer convite mais racista?

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