Viramos o mercado chinês.
Não se trata de competir no setor de R$ 1,99 ou das falsificações, até porque
os chineses são imbatíveis. É o futebol brasileiro que se parece cada mais com
o chinês. Ou poderia ser com o mundo árabe. Quem sabe a Ucrânia?
Enquanto exporta jovens promessas, muitas deles sem
experiência profissional, os clubes brasileiros se transformaram no refúgio
para o último suspiro de atletas em decadência. Aí reside a diferença entre nós
e os chineses. Eles reconhecem a fragilidade técnica e tentam aprender com a
voz da experiência para entrar no circuito.
Nós,
afogados na arrogância, nos iludimos (ou enganamos os apaixonados) que o
mercado nacional é forte o suficiente para atrair jogadores como Seedorf,
Fórlan, Zé Roberto, Dida, Deco, entre outros. Os clubes brasileiros ostentam
dívidas criminosas, daquelas de torrar o patrimônio e ainda faltar dinheiro, para
enganar imprensa e torcedores de que a pujança permite pagar salários compatíveis
com a Europa e atrair grandes jogadores.
Seedorf,
de 36 anos, Fórlan, de 33, e Zé Roberto, de 38, são de talento inegável, mas
foram adquiridos pelas glórias do passado, e não pela capacidade presente. No
caso de Seedorf, até o prefeito do Rio de Janeiro foi recebê-lo no aeroporto,
em um misto de campanha eleitoral e complexo de vira-lata, conforme definiu
Nelson Rodrigues.
Todos
estes atletas, mais Dida e Deco, para repetir os exemplos, não tinham espaço em
grandes clubes europeus. Enfrentavam a reserva e até o desemprego. Vieram para
cá porque os salários realmente são atraentes, mesmo menores. Além disso,
prevalecem as regalias extra-campo, a proximidade de casa ou dos vínculos
familiares. Seedorf é casado com uma brasileira e fala português.
Deveríamos
ter aprendido a lição com nossos próprios jogadores. Ronaldinho Gaúcho e
Adriano já indicavam que o retorno nunca ocorre no auge. O retorno sempre nos
contempla com a versão genérica do produto, como os chineses estão acostumados.
Os
clubes brasileiros também se vangloriam de comprar jogadores dos países
vizinhos. Realmente, o Brasil é o maior mercado da América do Sul. Mas de que
isto vale em termos globais? Times argentinos de primeira divisão têm folha de
pagamento menor do que o rendimento mensal de Neymar.
Adquirimos
atletas de segunda linha até porque, como aqui, a elite se encontra na Europa,
salvo as exceções repetidas à exaustão pelos ufanistas. A imprensa brasileira,
tão egocêntrica quanto os dirigentes esportivos, mal conhece quem chega. Miralles
e Rentería, no Santos; Barcos, no Palmeiras; Piris, no São Paulo; Ramirez, no
Corinthians; Marcelo Moreno, no Cruzeiro e no Grêmio; os casos de desempenho
discutível se amontoam para desmentir a primeira impressão.
O
Brasil, de fato, conseguiu reverte – em termos estatísticos – o papel de
exportador em 2012. No primeiro semestre, saíram pouco mais de 200 jogadores, e
retornou o dobro de atletas. Mas a quantidade mascara uma realidade ilusória de
empobrecimento do futebol local.
O
torcedor, que não é bobo o tempo todo, responde com a queda na média de público
nos últimos quatro anos. Por que pagar ingressos tão caros para um espetáculo
sem garantias?
Vivemos
ainda a cultura do desmanche, na qual empresários e cartolas se fartam de
negociações. Santos e Corinthians são exemplos vivos desta prática. O time da
Vila Belmiro se desfez de quatro atacantes e partiu para comprar jogadores de
qualidade duvidosa, sem sucesso nos clubes anteriores. Apelou também para os
vizinhos do Mercosul. Pato, que veio do Independiente para o Santos, é o homem
da vez, tão desconhecido que o principal programa esportivo da TV aberta teve
que fazer pesquisa na Internet para saber de quem se tratava.
O Corinthians
mexeu em parte do time que venceu a Libertadores e trouxe estrangeiros quase
anônimos por aqui. Ou alguém confia em Guerreiro, camisa 9 da seleção peruana,
saco de pancadas das eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo?
A
seleção brasileira olímpica funciona como termômetro do mercado brasileiro e
sua mentalidade de compra e venda. Com a chancela oficial dos dirigentes, os
atletas foram expostos como produtos numa feira internacional. Exames médicos,
assinaturas de contrato, especulações, o balcão de negócio é visto como natural
por parte dos envolvidos. A situação se tornou tão escandalosa, que o zagueiro
Thiago Silva abandonou a corriqueira discrição para justificar sua
transferência do Milan para o Paris Saint-Germain.
Até
quando os clubes brasileiros vão sustentar a conta? Até quando vão gastar o
dinheiro dos outros, escravizados pelos chamados investidores? Até quando vamos
fingir que não existe uma crise internacional que estilhaçou as contas de
muitos clubes europeus, cientes de que cortar atletas em final de carreira
poderia ser uma saída paliativa?
Considerar
o mercado nacional como promissor é reproduzir a arrogância de quem se sustenta
na fantasia de melhor futebol do planeta. E desdenha o 11º lugar no ranking da
Fifa, que antes servia como símbolo da hegemonia quando estávamos em primeiro
lugar.
Fingir
que somos árabes, sem os petrodólares, ou chineses, sem a base de crescimento
econômico-financeiro, é o mesmo que acreditar que atletas em final de estrada
jogarão muitos anos por amor à camisa.
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