O Coliseu romano é aqui!



Santos vai receber, no final de abril, um dos maiores encontros esportivos do Brasil. Milhares de pessoas estarão reunidas para acompanhar as novidades no mundo das academias. A cereja do bolo deve ser o MMA (artes marciais mistas, na sigla em inglês), um esporte que – como negócio – se transformou em febre e gera múltiplas reações, de artificiais a oportunistas.

Os sinais de que este esporte é vestido como tendência popular de comportamento se mostram visíveis na tentativa de nocautear consumidores. Nas academias, o MMA é oferecido como a coqueluche de benefícios físicos para a politicamente correta qualidade de vida.

O truque é velho, clássico para uma sociedade que adora aparências. Assim como outros exercícios mudam de nome por conta de qualquer enfeite tecnológico (se a nomenclatura estiver em inglês, melhor ainda!), o MMA é a composição de três modalidades (boxe, jiu-jitsu e muay thai), com benefícios já comprovados e que pouco as diferem de práticas também tradicionais.

No cenário cultural, prevalece a estratégia de se construir um ídolo de maneira artificial por conta de superexposição em vários tipos de mídia. Anderson Silva, por exemplo, aparece em capas de revista, frequenta – como outros lutadores – os programas de TV aberta para opinar sobre variados temas, assina contrato com agência de ex-jogador de futebol e se conecta a um clube de massa como o Corinthians.

A história indica que tais conexões são frágeis de longo prazo porque não possuem respaldo estrutural e cultural para se sustentar a idolatria. Adilson Maguila Rodrigues, no boxe, e Gustavo Kuerten, no tênis, provaram que um atleta é incapaz de popularizar um esporte; no máximo, engrossar a linha de palpiteiros, que opinam como estas modalidades fossem derivações do futebol.

O filme sobre Anderson estreou em 150 salas, raridade para um documentário. Outra ação de marketing para se explorar um ícone esportivo construído a fórceps. Transmissões esportivas aos sábados fecham o pacote.

Até a classe política, sempre alerta em ano de eleição, sonha em tirar casquinha da glória alheia. Não cora de vergonha ao passar atestado de desinformação. Um exemplo é o deputado federal José Mentor, que apresentou projeto de lei para proibir as transmissões do MMA na TV aberta. O argumento do deputado é que o esporte propaga a violência na sociedade.

Para se entender o MMA como violento, é preciso se estabelecer mecanismos de comparação. Como criar graus de violência? Estatísticas de fraturas e mortes, por exemplo? Neste olhar simplista, o MMA poderia ser visto como tão violento quanto o futebol, o futebol americano, o boxe, o automobilismo. A lista seria tão grande quanto estéril.

O MMA é somente mais um adereço em um modo de vida que cultua a violência, sem entrar mérito como esporte. Somos violentos por natureza. Apenas nos contemos por causa das convenções sociais, dos processos que lutam por nos civilizar todo o tempo. A biografia do ser humano é permeada, sem intervalos, por ações violentas, com motivos variados, de ganância a poder, o que inclui até a selvageria pela selvageria.

Vivemos a cultura do medo por conta desta necessidade real de praticar e glorificar a violência. Debater a violência física representa somente cutucar a ponta da ferida. Transformamos, de fato, a violência em mercadoria, que pode ser negociada de maneira explícita ou nas sutilezas da psiquê.

Culpar o MMA por estimular a violência ou endeusá-lo pelos benefícios ao corpo humano é escapar à francesa do olhar sobre como vivemos. É realimentar o esporte como fonte de lucros por meio de polêmicas superficiais e ídolos de mídia. Nada mais ingênuo do que um deputado que pretende tirar da tela da TV a versão moderna da arena romana. Ou uma questão de má fé.
 

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