Além da imaginação


Quando o esporte imita o seriado de TV
O esporte é repleto de imprevisibilidades. Não há ciência, técnica, talento e habilidade que façam uma competição funcionar de maneira exata. O esporte é sempre suscetível às travessuras do improvável. Ou, pelo menos, do rompimento da rotina da obviedade.

Na última semana, uma série de eventos – se levados a ferro e fogo ou pela análise do conjunto – colocou em dúvida a carreira de comentaristas, a credibilidade dos videntes, a sorte das loterias e até a paixão insana do torcedor. Aparentemente sem ligação, estes fenômenos reforçam a instabilidade climática que nos leva a sofrer, se apaixonar, duvidar e acreditar como fanáticos religiosos no esporte. A graça que precisamos nos injetar para seguirmos os gurus que nos comovem nas derrotas.

A lista de atividades paranormais não se construiu em ordem de importância. Até porque como poderia estabelecer um critério para organizar o caos que transformou o noticiário em conto de ficção científica, daqueles bem baratos de bancas de jornal.

A maioria dos acontecimentos extraordinários brotou de dentro do mundo do futebol, onde clichês que resistem em perdurar garantem que este é um esporte único. Esporte no qual o favorito perde, esporte no qual a vítima caça o predador com somente uma bala na agulha.

Mas comecemos por outras modalidades, como comprovante de que o diagnóstico confirmou a epidemia de esquisitices.

Na Fórmula 1, Felipe Massa marcou seus primeiros dois pontos no GP do Bahrein. Foi o 18º a pontuar no campeonato, o último entre os pilotos das grandes equipes. Mesmo assim, não corre risco de ficar desempregado. A Ferrari enfatiza que considera o desempenho do brasileiro satisfatório. Falsidade ou reconhecimento de que o carro está longe dos dias de glória?

No tênis, Thomas Belucci venceu David Ferrer, número 6 do ranking mundial. A vitória aconteceu no piso de saibro de Monte Carlo, o favorito do espanhol. Tudo bem que Belucci perdeu no dia seguinte para um sujeito com ranking inferior ao dele, mas vencer um top 10 é um fenômeno da física que acontece uma, no máximo, duas vezes por ano com o brasileiro. E ainda estamos em abril. Logo, a entressafra se aproxima?

Reconheço que os dois casos representam aperitivos quase indolores. O prato principal está no futebol, com mais surpresas do que o habitual, quase uma teoria da conspiração. Antes, o exterior. Depois, a comédia de erros nacional.

Não são apenas os brasileiros que convocam ex-jogadores para a seleção olímpica. A Inglaterra resolveu montar uma lista de 80 jogadores. Para quê tanta gente? Para que praticar bullying contra atletas que criarão expectativa vazia com os Jogos Olímpicos, ainda mais em casa?

A Inglaterra chamou o jogador-celebridade David Beckham, em autoexílio nos Estados Unidos. Esta história me lembrou a convocação do levantador Ricardinho para a pré-lista da seleção brasileira de vôlei. Nada como o politicamente correto da relação de aparências.

Saindo da perfumaria, testemunhamos duas derrotas seguidas do Barcelona. Isso não acontecia desde 2009. O Barcelona estava invicto em casa há 54 jogos. A derrota para o Real Madrid é mais provável do que perder por 1 a 0 para o Chelsea, mesmo na Inglaterra. Os “idiotas da objetividade”, como diria Nelson Rodrigues, ficaram excitados com os dois fracassos, motivos suficientes para confundir o pontual com estrutural e criticar – por despeito - a forma de jogar que deveria ser brasileira.

Os adoradores do pragmatismo bradaram que a defesa do Chelsea parou o Barcelona. Quem assistiu ao jogo deve ter visto que o time espanhol perdeu seis chances claras de gol, metade em defesas dificílimas de Petr Cech. Perder gols é bem diferente de transferir o mérito para a defesa adversária.

Pelos campos daqui, a Portuguesa – que um dia sonhou em ser filial quando passou a ser chamada de Barcelusa – se esforçou e conseguiu cair para a segunda divisão do Paulistão. Em meio ao pedido de desculpas, a diretoria decidiu manter o técnico Jorginho. No Brasil, treinadores despencam por muito menos.

Um dia depois, foi Jorginho quem se demitiu, sob o argumento que não tinha mais condições de motivar o grupo de jogadores. Para uma profissão na qual a vaidade é quase um pré-requisito, Jorginho corre o risco de ser comparado a Dom Quixote. Parafraseando o destino botafoguense, tem coisas que só acontecem com a Portuguesa.

No fundo político, a CBF tenta colar os cacos da fuga do rei Ricardo para Miami. Na disputa entre São Paulo e Rio, os cariocas ressuscitaram o octagenário Zagallo, por conta da longevidade, e o fantasiaram de candidato à vice-presidência da entidade-mãe do futebol. O pior é que ele acreditou e repetiu o bordão de ser engolido a força. Zagallo, não manche sua história com aqueles que sujam os bolsos todos os dias.

Deixei o Corinthians por último por causa das profundas mudanças em tão pouco tempo. Esta nova identidade assusta e espero que não cristalize. Vencer por 1 a 0 é ganhar sem sobressaltos, sem alterações na frequência cardíaca. Quanto mais cedo o gol, maiores as chances de assistir a outro programa.

Na quarta-feira, 6 a 0 no Deportivo Táchira. Não importa a fraqueza do adversário. Não é da natureza Titiana vencer por muitos gols. Aliás, seis gols de seis jogadores diferentes. É um time operário até quando se comporta como patrão. Com a goleada, em plena Libertadores, temeu-se que a fonte secaria. Como seria no final de semana, diante da Ponte Preta?

A profecia se deu pelo avesso. O ataque bateu o pé para quebrar a regra de ganhar somente por 1 a 0. Fez dois gols. Mas o desastre estava na defesa sólida, a melhor do Paulistão e da Libertadores. A Ponte Preta, freguesa desde os tempos de Basílio, eliminou o Corinthians dentro do Pacaembu. Saberemos o tamanho da dor em 10 dias, contra o Emelec que – dizem os futurólogos de microfone radiofônico – deve ser pior do que a macaca.

Se me esqueci do Palmeiras? Não, perder para o Guarani, em Campinas, ser eliminado antes da hora, entrar em crise, dispensar jogadores e culpar o Felipão é um roteiro de filme B. É o cúmulo da ausência de criatividade.

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