Xoxota e pau nas coxas


com Beth Soares

Na primeira viagem do casal, uma única promessa: submergir na cultura local, sem pudores, sem preconceitos. Experimentar era o verbo da vez. Fizeram um acordo tácito de conhecer tudo que fosse diferente. Tudo mesmo! Qualquer relutância ou deslize seriam enterrados no aeroporto de Salvador, antes do voo de volta.

Novas expressões, gente diferente, corpos de calendário à mostra em praias de cartão postal, iguarias que apimentariam a digestão e a relação; nenhuma vivência superaria a noite naquela praça, em Feira de Santana. O lugar estava lotado, “gente brotando do chão”, como diriam por aqueles lados.

Vendia-se de tudo que se pode imaginar – e também o que não se pode nas cartilhas das senhorinhas tradicionais. Quando viram o cartaz oferecendo o serviço, os olhos brilharam. Era a senha para desligar aquele botão do cérebro que nos limita a fazer apenas o que não vai chocar o outro, que nos traz a lembrança da mãe dizendo o que é feio, da vizinha dizendo o que é imoral, dos membros da família feliz dizendo que você destoou e, por isso, merece ser banido.

O casal, naquele momento, esqueceu a imagem samaritana. Não havia lugar para medo, hipocrisia, ciúme, sentimento de posse ou qualquer coisa parecida. A noite seria a dose perfeita para dois corpos calorentos e impacientes.

Antes de se mexer, perguntaram para amigos sobre a qualidade e a natureza do serviço. A turma se dividiu entre os surpresos e os ignorantes. Ninguém assumiu o consumo do produto.

Tímidos, os dois foram até o rapaz responsável pela oferta. Era muita cara-de-pau uma placa daquela em praça pública. Ou os dois, caiçaras paulistas, não estavam acostumados com tamanha naturalidade baiana. Ele nos atendeu como se vendesse doces às crianças. Acompanhado de duas mulheres, o homem sorridente tirou todas as dúvidas, típicas de quem nunca havia se permitido nada parecido. Era um profissional, sem distinção de tratamento aos turistas ou aos nativos.

Depois de um minuto de conversa, oscilando da vergonha à falsa neutralidade, o casal resolveu pedir, ali mesmo, na praça, uma xoxota e um pau nas coxas. A entrega aconteceria em dois minutos. O preço era irrecusável: R$ 2,50!

O casal olhou para os lados e conferiu as dependências do lugar. A higiene parecia adequada. O atendente usava luvas. As mercadorias estavam perfeitamente acondicionadas, sem indicação de riscos à saúde. Os dois balançaram a cabeça e confirmaram o sim. Iriam até o fim.

Com o relacionamento a salvo, acompanharam todos os passos daquele rapaz que, sem nenhuma cerimônia, aprontou tudo. Foram momentos deliciosamente doces. Como nunca pensaram em fazer algo assim, em casa mesmo?

Saíram de lá satisfeitos, alegres como a criança que faz uma travessura e não é descoberta. Agora, a vergonha não fazia sentido. Sabiam como fazer, poderiam repetir, convidar amigos para experimentar. Simples e barato. Se Feira de Santana oferecia o pacote completo, São Paulo – uma terra cosmopolita – providenciaria todos os ingredientes. Ficaria mais caro, claro, mas o prazer permaneceria intocável.

Depois de provar o produto e satisfeito com o atendimento, o casal retornou para a praça para reencontrar os amigos que acompanham um show de pagode. Ninguém acreditou que os dois levaram a curiosidade até o último tom. Ninguém quis experimentar. Poderia pegar mal para quem morava ali.

O casal não ofereceu três vezes. A primeira bastava como educação. A segunda, para fazer média. Tomaram as duas doses e ainda fizeram troca-troca. Ele ficou com a Xoxota, uma mistura de groselha, vodka, limão e leite condensado. Ela pagou pelo Pau nas Coxas, bebida muito parecida, bastava substituir o limão pelo abacaxi. Dois orgasmos etílicos memoráveis, como tudo na Bahia.

Obs.: O texto foi publicado originalmente no site Jornalirismo

Ilustração de Kitty Yoshioka. 

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