Onde estão os negros?


Um grupo de universitários demonstrou surpresa quando, há duas semanas, a professora afirmou que havia racismo no Brasil. Os alunos, como elite educacional (e talvez também por este motivo), não enxergaram um problema que reside na essência da construção cultural brasileira. Os universitários acreditavam que a democracia racial era um fato consumado.

No final de fevereiro, por exemplo, a Superliga Masculina de Vôlei enfrentou pelo segundo ano consecutivo casos de racismo. Wallace, oposto do Cruzeiro, foi chamado de macaco quando se preparava para sacar durante a partida contra o Minas, em Belo Horizonte. Uma torcedora do Minas completou a agressão, dizendo que o atleta deveria voltar para o zoológico.

As ofensas foram captadas pela emissora de TV que transmitia o jogo, mas a torcedora não foi identificada. O Minas, em comunicado oficial, tentou se eximir da responsabilidade, apesar de o Código Brasileiro de Justiça Desportiva estabelecer multa de até R$ 100 mil para o clube cuja torcida “praticar ato discriminatório relacionado a preconceito de origem étnica, raça ...”

Casos de discriminação pipocam pelo mundo globalizado, em várias modalidades esportivas. Um jornalista da ESPN foi demitido por ter usado termos pejorativos ao mencionar o jogador de basquete Jeremy Lin, filhos de imigrantes de Taiwan, após um jogo na NBA, liga profissional dos Estados Unidos. No futebol inglês, o episódio envolveu o zagueiro francês Evra, de ascendência senegalesa, e o atacante uruguaio Luiz Suaréz. O jogador sul-americano foi suspenso por oito partidas após proferir palavras racistas contra o adversário.

O esporte, pela amplitude de suas ações na mídia, permite interpretações rasteiras, ao se amenizar o problema, classificado como pontual ou “situação de jogo”. Pelo contrário, os esportes funcionam como tradutores e catalisadores de comportamentos culturais. É ali – nas arenas esportivas – que torcedores e atletas vomitam, com graus distintos de passionalidade, seus valores normalmente ocultos nas demais relações sociais.

A vantagem de se defender o mito da democracia racial, pensando nas particularidades brasileiras, é contar com a ausência de debate sobre o assunto. Por que conversar sobre algo que não existe? A inexistência se movimenta pela cegueira que mascara uma convivência perversa, na qual negros são aceitos quando assinam o contrato de embranquecimento. Nas entrelinhas do acordo, o passaporte financeiro.

É evidente que, no cenário atual, a discussão sobre discriminação racial tem que estar conectada com variáveis sócio-econômicas. A renda familiar, associada a outros elementos como escolaridade, colabora para reduzir – pelo menos – o grau explícito de segregação. A conta bancária mais gorda não ameniza ou apaga os rótulos que permanecem presentes no cotidiano. Os estereótipos ainda pulsam nos olhos do policial quando realiza uma blitz. A imagem-clichê escandinava ainda é padrão estético, cinicamente driblado pela linguagem em expressões como “boa aparência”.

Há cerca de 10 anos, um professor se mostrou chocado, durante um debate, ao ouvir que Santos não seria diferente em termos de discriminação racial. — Onde estão os negros na cidade?, ele perguntou. De início, pensei ser uma piada de mau gosto. Diante da insistência, percebi que ele engrossava o coro dos cegos. A ignorância era dolorosa porque não dava chance à má fé.

Este professor não está sozinho na bolha de plástico que sustenta e perpetua um olhar delirante sobre racismo. Dentro da bolha, negar sempre é a palavra de ordem, mesmo que soe infantil ou ingenuidade.

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