Só de ouvir falar ...

A resistência é diária para vencer uma tentação quase incontrolável. Preciso parar e pensar para não me ajoelhar diante do prazer gratuito. Vivo em um mundo onde se fala o tempo todo. Sobre tudo. Sobre todos. Com ou sem propriedade. Pela intolerância ou para perpetuar o indivíduo como centro das atenções.

Pessoas próximas me dizem que falo cada vez menos. Que a Lua estaria próxima como mundo. Que penso demais! Desconfio que mentem por compaixão. Talvez a questão não seja exatamente essa. A resposta me parece mais satisfatória se compreendê-la como via de mão dupla. Mas não significa que consista numa fórmula pronta, uma receita na qual uma porta conduz de maneira inevitável à outra.

Tenho minhas dúvidas se tagarelo cada vez menos. De qualquer modo, tagarelo. A via paralela mora na capacidade de escutar cada vez mais. Busco a utopia de ouvir como saída para sobreviver ao dia seguinte.

Escutar é como se defender de mim mesmo. Também não enxergue como abrir a janela e deixar entrar a luz com todo tipo de poeira junto. Implica em concentração em um cenário que se deleita pela dispersão, pelo fragmento, pelo superficial. Um passo por vez é disparate para quem saltita como a pilha não se esgotasse. Quando olho para fora, visualizo ursinhos da propaganda de pilhas vestidos como civilizados. E rezo para não me contaminar com a ânsia de dizer, dizer, dizer.

Falar demais não se mede por quilometragem de saliva. Confesso que caio, por vezes, na armadilha da distração, da conversa desimportante que se enamora pela futilidade. É diferente de se prender a uma conversa propositalmente sem futuro, regada a petiscos, bebida e companhia agradável. É se distrair com as promessas de falsas causas coletivas, de se comprometer com o impossível para pertencer ao momentâneo, de se deixar seduzir pela hipocrisia que luto para enterrar no armário e atirar a chave no incinerador.

A batalha pela escuta traz consigo a estratégia de abandonar vários fronts ao mesmo tempo. Entregar territórios para manter as fronteiras fundamentais com soberania, para perder a guerra e ganhar a paz. Mas a prática desmente a teoria bem delineada. Costumo sucumbir à magia da curiosidade, do interesse múltiplo. Tal esforço é doloroso porque o abandono – próprio e alheio – é um preço a ser cobrado.
 

Quando entro na farmácia, procuro o diálogo entre as prateleiras. Ali estaria o antídoto para tamanha falação esquizofrênica. Mas tento introjetar e me convencer de que o tratamento atravessa várias etapas, sofre retrocessos, caminha lentamente, até se aproximar da chance de cura. Não há prazo de validade nem garantias de remissão.

O diálogo não pode se seduzir pela embalagem dos falsos medicamentos. É comum testemunhar dois monólogos que, em simbiose, se fingem de diálogo. Rotas diferentes, em intersecção, onde o outro está tão disponível quanto um cone de trânsito.

O diálogo é fonte de existência para que possa fugir de minha arrogância. Aprender com o outro decorre da percepção de que somos limitados. Às vezes, o diálogo é apenas a troca, pura e simples, sem sede de conhecimento, sem fome de poder, sem utilitarismos escravizados pela vida prática. O diálogo é, como exercício de se ouvir falar e falar ouvindo, compartilhar o tempo e o espaço, num ato solidário com ambas as partes. 

Confesso que demorei a perceber. Não sei sequer se consigo praticar com desenvoltura. Sei que pratico quando me policio, enquanto torço para que se torne lição determinada pelo inconsciente. Dialogar é a escuta em vida latente. Dialogar ultrapassa os limites do contar. Dialogar nos faz humanos como adeptos da civilidade sem os vícios da selvageria envernizada.

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