Despedidas e mudanças

A morte de um ano e o nascimento de outro costumam acenar com despedidas e mudanças. As despedidas, muitas vezes, se desenham como filhas do transitório, com fisionomia de até breve, jamais um adeus. Até as despedidas definitivas não conseguem se conter e sempre desejam – no fundo das gavetas a serem limpas – se transformar no pontapé das alterações de vida. 

Mudar, nestes tempos, soa como promessa de campanha, de costas para a posse e a importância do cargo. São como regimes de segunda-feira, prontos para o descarte da terça. Ou a reciclagem da quarta. Ou a amnésia de quinta.

A virada de ano atrai os adeptos das despedidas e os seguidores das mudanças. É um período que se supõe propício às renovações, trocas, desfechos e ressurreições. Quando despedidas e mudanças caminham em paralelo, uma delas pode se revelar fútil como promessa de milagre em culto de TV na madrugada. 

Quando se cruzam, deixam vestígios que se traduzem pela necessidade real de balanço, de revisão de conceitos, de perdas e de novas perspectivas para qualquer horizonte.

Desconfio que vincular mudanças de vida à metamorfose do calendário é o primeiro indício de fraude. É a terceirização da culpa, uniformizada em um criminoso abstrato, seja ele o reveillon, o teor alcoólico, a tristeza ou a euforia das sete ondas e da roupa branca.

Fazer juras de nova vida a partir de 2 de janeiro soa como insistir que a criança de 10 anos mantenha fé cega diante do Papai Noel. Enquanto sobrevivem como brincadeiras dentro do pacote de rituais, as promessas de novos caminhos vão embora como as oferendas de iemanjá. O equívoco talvez nos contamine quando acreditamos que uma noite de festa simboliza a queda do muro que nos impede de alterar o estado de coisas.

Mudar significa se despedir. Não há como mudar sem largar algo, alguém, valores ou princípios. Não todos ao mesmo tempo, claro. Seria radical demais, que exige um catalisador – de certa forma – catastrófico. Um fator que não permite segunda via da papelada nem devolução ao comprador.

A despedida, para nos conduzir à mudança, ignora as placas de retorno. E finge, ao menos no início, que não existe acostamento. Os céticos garantem que o cenário muda; as pessoas, jamais. Mas o ceticismo é tão radical que beira a própria anulação de suas ideias, pois as transforma em crenças. Basta que a pimenta espirre nos olhos de quem tentou atirá-la nos outros.

Despedir-se não se torna mudança se houver desapego. Garantias não existem só porque nos comprometemos a deixar de lado. É ato inerente à despedida largar para recomeçar ou escolher nova rota, mas provoca a dúvida do que plantar no lugar do vácuo recém-nascido.

Prefiro acreditar que mudar é processo. Sem promessas. Sem mandingas (bom, às vezes ajudam!). Sem alarde sobre o caixote em praça pública. Sem campanha de marketing para iludir os fiéis em desespero.

A mudança eternamente em curso é imperceptível para quem a adota. A adoção se alimenta de retrocessos e avanços, sólida como a via que chega após muitos passos. Mudamos porque precisamos. Preferimos a despedida quando o sangue nos pés indica o andar sobre esteiras.

Só me enxergo como mutante quando me vejo pelo telescópio. E me entristeço ao ouvir alguém batendo no peito com orgulho de que sempre será o mesmo! Para eles, a despedida está fadada ao até logo.

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