A resposta silenciosa, na cidade (quase) dividida

Após a conquista do Campeonato Brasileiro, aconteceu o óbvio. Os corintianos foram para a rua. Buzinaço, celebração em praça, sons estéreo repetindo o hino do clube à exaustão, faixas nas janelas e bandeiras nos carros conduzidos por motoristas ainda sorridentes.

Caminhando pela cidade logo após o jogo, percebi que o óbvio não era tão redundante assim. Os corintianos em festa encararam mais um adversário de força, que colocou o time em campo, mas sem deixar claro que desejava novo apito inicial. Era uma partida, com outras regras, a ser disputada. Um desafio em perspectiva, que enterrou a tática da seca coletiva anti-Corinthians, claramente inócua, pelo menos neste final de semana.

Os santistas resolveram provocar em silêncio. A estratégia, sem organização prévia, consistia em deixar claro que o Campeonato Brasileiro acabou. O silêncio como antídoto contra a alegria do maior rival. Para diluir a vitória dele, é fundamental lembrá-lo de que o Santos, na próxima semana, disputará o torneio mais importante desde os anos 60.

Assim que o jogo terminou, os corintianos – barulhentos como manda o ritual pós-conquista - enfrentaram uma horda de soldados santistas. Homens e mulheres dispersos, como um batalhão às avessas, mas dispostos a demarcar o território do ufanismo.

No Marapé, por exemplo, uma mulher pregava – como se cumprisse uma tarefa sacra – a faixa “Santos rumo ao Japão”. No meio da faixa, o símbolo da bandeira japonesa. No Campo Grande, motoristas e motociclistas desfilavam com bandeiras e símbolos do clube, como se a comemoração do título fosse deles. Ninguém buzinava. Era a resposta com respeito ao rival, mas uma réplica, a indicação de que o momento deles acabaria logo, que seria deslocado para o passado e anteciparia a semana seguinte no Oriente.


Torcedores de várias idades andavam pelas calçadas com uniformes do Santos, como o dia seguinte de um título ainda não conquistado. A provocação da ausência de palavras, sintetizado em cores idênticas de camisa, porém símbolos que instituem caminhadas distintas. A tentativa de retomar o terreno que fora invadido sem decisão judicial ou escrituras.

O silêncio é pontual e em vão. O protesto não apaga a festa alheia. As vozes de um hino cantado em coro permanecerão na cabeça, grudadas como o sucesso da semana na mais popular rádio FM. Santistas e corintianos precisam conviver no mesmo lote de terras. O nome da cidade não garante a exclusividade ao clube homônimo. O futebol somente reforça as evidências – e quem sabe a vocação? - de que Santos não consegue se aproximar da unanimidade.

Por mais que se negue, até porque soaria como ofensa, o Santos não possui a hegemonia absoluta de torcedores. Os corintianos se multiplicaram, por razões que transitam da migração ou aquisição de campeonatos nas últimas décadas, enquanto o adversário engolia a entressafra. Os são-paulinos, por motivos particulares, também cresceram, mas em menor ritmo.

Os santistas ainda lideram em número de fanáticos, mas os corintianos estão em seus calcanhares. É neste ponto que reside a unanimidade. E este é o menor dos males, ou melhor, das divisões.



O futebol é a cereja do bolo que representa uma cidade dividida. Às vezes, quase rachada pelas estatísticas, mas – na prática – os números são ignorados pelos cortes na vida cotidiana. Na política, a cidade segue aquela expressão do futebol do bairro: PT contra rapa! Os resultados das zonas eleitorais indicam onde os petistas dominam e onde os demais partidos se lambuzam pelas derrotas da estrela vermelha.

A economia aponta para uma cidade cada vez mais desigual. Enquanto os prédios sobem em ritmo de ostentação, as calçadas de bairros não tão afastados viraram conjuntos habitacionais sem teto e paredes, mas com crescimento populacional de invisíveis.

A geografia realça o relevo cultural das várias Santos. Zona Leste e Zona Noroeste, dependendo do bairro, parecem pertencer a municípios diferentes, seja na arquitetura, seja em outros valores culturais, como expressões de idioma.

Santos poderia ser dilacerada em outros critérios, independentemente do grupo que os analisa. O futebol costuma explicar a evolução, as características e as selvagerias das culturas, mas – no caso da cidade de Santos – as provocações, silenciosas ou extrovertidas, após o Campeonato Brasileiro representam somente alegorias de um lugar onde as rivalidades alcançam níveis mais subterrâneos e nada esportivos.

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