O livro do santo (Contracapa # 16)



Os livros sobre futebol estão na moda. Integram uma parcela secundária do universo de negócios dos clubes. São versões apaixonadas de torcedores ilustres, encomendas com caráter bajulatório ou revisões históricas. Até o mundo acadêmico, em parte ainda preconceituoso com o esporte, resolveu tolerar estudos e teses sobre o tema. Poucas são as obras produzidas com independência, à margem dos contratos de marketing e alheias ao controle de assessores que se comportam como leões de chácara.

“São Marcos de Palestra Itália”, de Celso de Campos Jr., se encaixa no último critério. O livro, idealizado em 2003, quando Marcos recusou oferta do Arsenal, da Inglaterra, para jogar a série B do Campeonato Brasileiro pelo Palmeiras, é fruto de mais de um ano de pesquisas, principalmente em arquivos da imprensa paulista e carioca.

Editado pela Realejo, a obra já esgotou a primeira edição, virou alvo de resenhas até da mídia não especializada e aguçou o provincianismo que acompanha as últimas gestões palmeirenses. O clube se recusa a aceitar o livro sobre a vida de um de seus maiores ídolos e chegou a enviar uma notificação extra-judicial à editora, localizada em Santos, no litoral de São Paulo.

“São Marcos de Palestra Itália” não traz a palavra do goleiro. Pelo menos, dita ao autor do livro. As declarações do jogador foram extraídas da imprensa. Neste sentido, a obra ganha em detalhes documentais, mas perde em bastidores de episódios na perspectiva do goleiro pentacampeão. Aliás, Marcos segue em silêncio. Embora a obra não o desabone, pelo contrário, o goleiro não se manifestou sobre o trabalho.

O livro acompanha a vida do ídolo palmeirense da infância até o final de temporada de 2011. O início da carreira do goleiro compõe a melhor parte e as principais novidades do texto. Para muitos, o goleiro nasceu milagroso e de primeiro nível. No livro, Celso retrata o início no interior de São Paulo, onde jogava em terrão com traves pintadas em muros, a dispensa do Corinthians e os avanços e retrocessos no Palmeiras, até a titularidade no time profissional.

Neste período, Marcos teria sido trocado por 12 pares de chuteiras com o Lençoense, equipe de Lençóis Paulistas, no interior de São Paulo. Mais uma das lendas que envolvem o santo, exímio contador de “causos”.

À margem da biografia de Marcos, o livro possui também o mérito de detalhar a construção e o desenvolvimento da escola de goleiros que se tornou o Palmeiras. O autor sustenta com propriedade o papel de Valdir Joaquim de Moraes e Carlos Pracidelli na formação de camisas 1 nos últimos 20 anos do clube, além de fazer um histórico da posição no Parque Antártica. O livro explora, em paralelo á trajetória do biografado, os caminhos percorridos por Velloso, Ivan, Sérgio e Diego Cavalieri, entre outros goleiros formados ali.

Celso de Campos Jr., também autor de “Adoniran, uma biografia”, sobre o compositor paulista Adoniran Barbosa, imprimiu o ritmo jornalístico à narrativa. Não há arroubos literários ou poesia sobre os milagres do goleiro, comuns na crônica esportiva. O texto é seco, nem por isso mais pobre. É informação sobre informação. O autor evita se colocar ou se posicionar na maioria das situações. Por vezes, deixa escapar um ou outro adjetivo, mas sem se omitir diante dos fracassos e dos erros cometidos pelo biografado.

A leitura, aliás, é bastante agradável. Li o livro em dois dias. Isso não acontecia comigo diante de um livro sobre futebol desde “Estrela solitária, um brasileiro chamado Garrincha”, biografia escrita pelo jornalista Ruy Castro. Os percalços, ressurreições e glórias do maior ídolo do Palmeiras desde Ademir da Guia garantem a virada de página, mesmo que o leitor saiba o resultado final do jogo ou do campeonato.

“São Marcos de Palestra Itália” caiu como uma luva (com o perdão do trocadilho) no mercado editorial, pois chega às livrarias em um momento de dúvida: Marcos volta para a temporada de 2012? O jogador tinha um acordo informal com a diretoria, que previa o término da carreira no final deste ano. Depois, Marcos assumiria um cargo – ainda não definido – na comissão técnica do clube.

A decisão só deve ser anunciada no início de janeiro, quando o time retorna das férias. De qualquer modo, o goleiro-santo foi eternizado em palavras escritas, ainda que sua igreja e sua religião ameacem excomungar o escriba e sua obra.

Comentários

Bruno Lima disse…
A leitura é realmente muito agradável. Em apenas 3 horas li a metada da obra. Assim como você, devo terminar em dois dias.