A volta do chicote

Plenários são lugares sem eco, quase sempre. Políticos vão até lá para falar sobre assuntos que, muitas vezes, os colegas não estão interessados em ouvir. A plateia – quantos flagrantes de TV – utiliza as cadeiras confortáveis para tirar o sono atrasado ou exercitar a sesta da tarde.

Diante da indiferença, muitos parlamentares se apóiam na estratégia de utilizar palavras fortes, o que inclui ataques aos adversários, para alcançarem algum grau de ressonância. Obter espaço na imprensa. O plenário é o caixote do pregador na praça. Pregador que gasta saliva ao vento.

O senador Reditario Cassol (PP-RO) deu a impressão de que estava em alguma praça pública do seu estado de origem, Rondônia. Entendeu que poderia falar o que bem entendesse. O senador defendia seu projeto de lei, que altera o Código Penal. O projeto “revoga ou restringe diversos benefícios concedidos a condenados a pena privativa de liberdade.” Enquanto se esgoelava no plenário, Cassol resolveu estabelecer um paralelo sociológico entre os trabalhadores e os presidiários e explicitou o que pensa sobre o sistema prisional brasileiro.



Nesta análise profunda, o senador defendeu o uso de chicote para os presos que se recusassem a trabalhar nas cadeias. Imagino que o senador se referia ao período da escravidão, encerrado – ao menos juridicamente – há mais de 120 anos. O que Cassol não parece perceber é que declarações estapafúrdias esvaziam a discussão do próprio projeto pelo qual lutava no plenário. A seriedade se transforma, no mínimo, em bravata digna de piada.

Além do discurso fora de lugar, Reditario Cassol não deveria estar ali. Ele ocupa uma vaga na bancada do Senado por causa de uma daquelas brechas estúpidas do sistema político brasileiro. Reditario está no Senado sem ter votos. É suplente do filho Ivo Cassol, atualmente licenciado. Uma espécie de nepotismo via urnas. O indivíduo perde o cargo, a família garante o poder.

O exemplo do senador confirma o que se vê nos programas humorísticos da TV. Parlamentares pouco ou nada informados sobre questões nacionais, mais preocupados em cristalizar e levantar bandeiras de valores intolerantes e preconceituosos.

Reditario Cassol perdeu a oportunidade de colocar na pauta problemas que sobrevivem na essência do sistema prisional. Deputados e senadores, por interesses diretos ou indiretos, evitam tocar em feridas como a disseminação de celulares nas prisões, o déficit de vagas em presídios e cadeias, a aplicação restrita de penas alternativas para delitos leves e a própria distribuição de presos nas unidades, onde convivem o ladrão de galinhas e o gângster.

A defesa de senhor de escravos contou com o silêncio dos colegas de Senado. Será que concordam com a posição de Cassol? Ou estavam com a cabeça em outros endereços? Ou batiam papos animados, como acontece com freqüência? Apenas uma voz se manifestou. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) afirmou que “compreendia a indignação” do colega parlamentar, mas que o chicote seria “a volta da Idade Média”.


Suplicy não precisava viajar tão longe na história. A ironia está no fato de que o pregador do caixote tem apoio de uma parte da sociedade brasileira, que não apenas usaria o chicote, como também apertaria o gatilho em um pelotão de fuzilamento.

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