O parque mal assombrado

Tenho dois filhos. Mariana tem nove anos e não se lembra de tê-lo visitado. Vinicius, com quase dois, está proibido de colocar os pés no lugar. Riscaram, sem saber, o parque do mapa. Adaptaram-se em outros espaços abertos da cidade, como o Jardim Botânico e a Fonte do Sapo.

Um amigo, também com dois filhos, tinha o hábito de levá-los lá quase todos os finais de semana. Passeio que incluía o relaxamento dos pais e a pipoca no cair da tarde. O Orquidário Municipal caminhou rumo ao saudosismo e rastejou para a lista de obras com a máscara de lenda urbana.

Fechado desde 2009, o Orquidário é um mausoléu verde, enegrecido pela escuridão, não apenas de noite. O parque é vítima da negligência administrativa. Basta ver a quantidade de adiamentos da conclusão da reforma e do milagre da multiplicação dos cifrões, que encarecem o trabalho e perpetuam o fechamento do parque. Enquanto isso, os burocratas transferem responsabilidades e tiram a culpa das próprias costas.

Agora, me entristece saber que o Orquidário não pode descansar em paz. Nem o coma induzido é respeitado, tanto por quem o profana como por quem deveria zelar por ele. Qualquer morador com o mínimo de senso sabe onde ficam os pontos de venda e consumo de drogas nos arredores do parque. Ali, existem, ao menos, dois locais que conectam usuários de crack, um na linha do trem e o outro à beira da imagem de Nossa Senhora de Lourdes.

De vez em quando, o comércio é suspenso com a prontidão da Polícia Militar ou com a visita amigável dos guardas municipais. Dependentes de crack são tratados como questão de segurança, e não de saúde pública, ao contrário dos debates mais recentes em âmbito internacional.

O que o Orquidário tem a ver com isso? O parque se transformou em alvo para quem troca qualquer objeto por drogas. A reportagem de Bruno Lima, no jornal A Tribuna, retrata as reclamações dos moradores que testemunham, por exemplo, o roubo de fios e barras de ferro. A única “dificuldade” é pular o muro que perdeu a função de proteger o parque.

Se os moradores conhecem a rotina de depredação, por que a Guarda Municipal, cujo papel inicial é resguardar o patrimônio público, ainda não tomou providências? Por que só agora a Prefeitura Municipal resolveu instalar alambrados de três metros para evitar que o Orquidário não se torne uma carcaça sem acabamento? Ou a doação de parte do material a fundo perdido de mãos alheias é parte da reforma?

A ironia do purgatório que aprisiona o Orquidário é o discurso de desenvolvimento que ilude a cidade. Clichês como qualidade de vida, sustentabilidade e preservação ambiental ganham peso na boca dos engravatados, de olhos vidrados no falso progresso de concreto em forma de espigão e sonhos voltados para as profundezas do mar à frente, onde reside o ouro negro, o Godot que a Baixada Santista tanto espera como um personagem de Beckett.

Enquanto isso, o Orquidário permanece sob a administração de corsários e piratas terrestres, dando a impressão de que acompanhará o destino que amaldiçoou o Teatro Coliseu, irmão nos anos de agonia e filho de uma obra feita às pressas, com as feridas escancaradas para quem o visita no Centro. Pelo menos, meus filhos – e filhos de outrem – puderam ver o teatro antes de se tornarem adultos.

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