Quem é Amy?

Prometi a mim mesmo que não me manifestaria sobre a morte de Amy Winehouse. Não sou fã dela. Mal conheço suas músicas. Nunca tive interesse pela carreira da moça. Apenas era exposto à vida desregrada da personagem quando abria portais de notícias ou assistia a algum telejornal, como milhões de pessoas.

Não me interessava conhecê-la, até porque as barreiras e estratégias da indústria cultural se mostravam eficientes para conter qualquer possibilidade de opiniões ou manifestações dela. Testemunhava somente a degradação – que integra o pacote de consumo cruel – da cantora britânica à distância, sem pensar muito a respeito. Era mais uma celebridade no universo pop, que me permitia duvidar – com injustiça - do talento, misturado com a vida de produto.

Como não costumo cumprir as promessas de segunda-feira, resolvi refletir sobre a morte da moça. Li alguns críticos que respeito para me informar um pouco mais. Obviamente, não corri a nenhuma loja de CDs. Se não pagava por um álbum dela, quanto mais agora, inflacionado pela morbidez econômica.

Não baixei músicas também. Até porque não tenho essa prática, nem com meus próprios ídolos. Prefiro ouvi-los nas rádios rock ou cultivar os velhos CDs com seus clássicos. Quando vou à loja, procuro as promoções de coletâneas ou trabalhos ao vivo. No último mês, foi o que fiz com a Sade, apenas para comprar fragilmente duas cantoras.

Não resisti ao fenômeno Amy Winehouse. Não me refiro à mulher, mas à mercadoria empacotada como dramaturgia-clichê. Comecei a me aborrecer com a sucessão de atrocidades em torno dela. Família, pessoas próximas, jornalistas e outras espécies de oportunistas resolveram destrinchar a vida e a morte da cantora, exagerando nas atitudes, nos juízos de valor, nas qualidades e defeitos da artista. No fundo, despersonalizaram a mulher para espremê-la mais uma vez. E não será a última.

Fãs não integram este espectro perverso. Acreditavam nela e precisam ser perdoados. Exalam paixão, compram sem racionalidade, perdoam os deslizes nos shows, contemporizam a decadência física do ídolo. Estes acompanharam o início e o desfecho da biografia musical da cantora inglesa. Os fãs vão se manifestar de maneiras particulares, renovarão a relação de respeito pela moça e seguirão suas vidas.

Mas e os cínicos, que correm para parecer parte do circo? Aqueles que se alimentaram, de início, de uma mera curiosidade mórbida. Amy Winehouse morreu aos 27 anos. E daí? De que serve entrar para o panteão imaginário de Jimi Hendrix, Kurt Cobain e outros? Nenhum deles se tornou peça obrigatória no museu da música por causa da idade em que morreram.

E os sobreviventes da viagem, muitos deles sessentões? Submeteram-se à avaliação do tempo e se tornaram clássicos, obrigatórios em qualquer estante ou publicação que fale sobre rock. Exemplos como Ozzy, Dylan e Keith Richards. Ser um clássico não tem conexão com o corpo, vivo ou morto. O artista entra para um time como esse pelo que fez, pelo que criou. Pode ser o caso de Amy Winehouse.

Amy Winehouse deveria ter sido blindada quando havia sinais da curva inevitável. Familiares agora falam em privacidade, depois de anos agarrados aos microfones e às câmeras. Lavaram as mãos quando Amy perdeu o poder de decidir por si mesma, esmigalhada pelo vício. Produtores e empresários espremeram a laranja até o bagaço, com turnês em que a cantora se arrastava e se expunha ao ridículo, como os shows em São Paulo e na Bulgária.

A máquina de dinheiro rendeu o que pôde e agradou a muitos. Com a morte, a exploração vai continuar, definitivamente, com DVDs, CDs de músicas que haviam sido desprezadas por qualidade inferior, trechos de gravação com blábláblá. Com o perdão da desproporcionalidade, Amy vai trilhar – morta – o mesmo caminho de Michael Jackson.

Amy Winehouse é mais um talento jogado fora pela selvageria alheia. É óbvio que a moça era adulta e – até certo ponto – poderia controlar seus atos. Mas a doença – alcoolismo assim o é – implicava na intervenção de terceiros, omissos diante da tragédia acompanhada como capítulos de novela.

Jamais saberemos a dimensão real da capacidade criativa da cantora, que me parece mais interessante de observar do que os fuxicos de alcova. Dois CDs são pouca coisa. Um deles levou cinco Grammys, mas pode significar fato isolado. Mera especulação pelas redundantes circunstâncias.

Escrevo sobre Amy Winehouse porque lamento a morte dela, como de qualquer outra pessoa. É o que prega o mínimo senso de humanidade. Não consigo e sequer tenho vontade de sentir pena dela. Pena é um sentimento de quem se julga superior. Um ato arrogante e, neste caso, hipócrita porque não a conheço. O que li são conjecturas e episódios isolados, paridos pela mídia que ama o maniqueísmo de seus personagens construídos.

Amy Winehouse sempre me passou a impressão de quem lidava mal com o isolamento (o paradoxo da superexposição) e, principalmente, de quem pedia socorro. Em condições normais, ninguém se expõe a um processo contínuo e doloroso de auto-destruição, seja profissional, pessoal e afetivo.

Não pretendo ouvir sua obra tão cedo. Tentarei dar o distanciamento da história para que possa sentir – sem prazo definido – vontade de ouvi-la cantar. Destinar a personagem ao papel de figurante e aproveitar o que a cantora tem de melhor. É a maneira que me parece mais justa de deixá-la descansar.

A moça, seu nome e seu legado artístico merecem paz.  

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