O sorriso de Júlio César

Aos 35 minutos do segundo tempo, o Equador rondava a grande área brasileira, pressão natural de quem perdia por 4 a 2 e estava prestes a ser eliminado da Copa América. Numa cobrança de escanteio, a bola pipocou na marca do pênalti até o chute de um dos atacantes equatorianos. A bola seguiu rasteira para a defesa de Júlio César no canto direito. Sem rebote, apesar da curta distância.
Ao se levantar, o goleiro sorriu para os zagueiros. Parecia um sorriso de alívio. Sorriso de quem abraçara a própria salvação, numa defesa sem técnica apurada, um aperto na bola que exorcizava a noite naquele instante.
Júlio César vivia uma noite rara. Tomou dois gols em duas partidas seguidas. O jogo se tornou mais incomum porque ambos foram erros do goleiro. O primeiro foi uma falha admitida por ele em entrevista. O segundo, entre os comuns, seria um gol normal. Para alguém do nível do Júlio César, significa um equívoco em serviço.
Os mais apressados começaram a questionar a titularidade do goleiro da Internazionale. Uma partida que jamais representaria o conjunto da obra. E os erros cometidos não têm relação alguma com o deslize contra os holandeses, na Copa do Mundo, argumento de quem desejava conectar os dois jogos e constituir má fase do atleta. Aliás, o Brasil perdeu naquele dia por uma série de falhas individuais, táticas e coletivas.
Júlio César chegará ao próximo Mundial com 33 anos, idade que marca os goleiros mais experientes. Estará menos veloz, mas conhecerá os atalhos da pequena área. Nesta etapa da vida, os goleiros compensam com colocação, reposição de bola mais precisa, liderança e leitura mais afiada dos detalhes do jogo.
Júlio César dá indicações de que iniciou este caminho. Voa menos. Um sintoma definitivo da metamorfose são as defesas com pés e outras partes do corpo. O goleiro, ao entrar na andropausa da profissão, reduz as defesas para o telão (ou fotógrafos) e se torna mais eficiente. Agarra mais, rebate menos. Quando o faz, manda a bola para fora e paralisa a partida.
Independentemente da fase, que não deve ser medida pelo jogo contra o Equador, o goleiro da seleção brasileira sobrevive sem substitutos à altura. O atual reserva, Victor (Grêmio), ainda não está pronto para ser titular. Na seleção, esquentar o banco significa ganhar quilometragem para um cargo que não perdoa falhas, mesmo contra galinhas mortas.
O terceiro goleiro, Jeferson, me parece escolha pessoal do técnico. Até o senso comum explica que a função é de confiança. Jeferson é jogador de clube, absoluto no Botafogo e basta. No Brasil, existem pelo menos três ou quatro goleiros em melhor condição, descontando os veteranos Marcos e Rogério Ceni, rumo à aposentadoria, mas ainda superiores ao titular do time carioca.
Fábio, do Cruzeiro, poderia estar entre os três goleiros de Mano Menezes. Cortado da Copa América, Fábio é titular há anos da equipe mineira, com atuações de alto nível durante muitos anos, assim como fez no Vasco da Gama, seu clube de origem.
Fora do Brasil, existem goleiros que poderiam compor o elenco da seleção brasileira, mas nenhum deles capaz de tomar – de forma incontestável – o lugar de Júlio César. Gomes, do Totenham, por exemplo. O goleiro esteve na última Copa do Mundo. No clube inglês, comporta-se como um atleta de primeiro nível. Segura as pontas em quase todos os jogos e, quando falha, o faz de maneira escandalosa. É a sina da posição.

Helton, do Porto, está há quase dez anos na Europa. Foi campeão português, com excelente desempenho na última temporada. Mas o goleiro, também revelado no Vasco, teve poucas chances na seleção brasileira. Poderia figurar, tranquilamente, entre os três convocados.
Júlio César esperou duas Copas para ser titular. Ele foi cortado em uma delas e ficou como terceiro goleiro em outra. Assumiu a vaga no último Mundial e, meses antes, chegou a ser considerado o melhor da posição no planeta. Continua entre os cinco primeiros, para dizer o mínimo.
Se tudo correr normalmente, Júlio César ficará com a camisa 1 no Mundial do Brasil. Os demais, todos no mesmo patamar, devem brigar pelas outras duas vagas. Isso sem contar as revelações que nascerão no período.
O goleiro da Internazionale teve somente uma noite ruim e, com a sorte que ilumina os maiores, viu o Brasil vencer de forma que as falhas parecessem detalhes secundários na classificação para a fase seguinte da Copa América. Assim como o sorriso, símbolo de quem respirou e superou a tempestade de insegurança que assombram goleiros durante uma partida.

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