As
duas mães enfrentavam problemas idênticos. Sentiam-se angustiadas, preocupadas
com o desempenho dos filhos na escola. A primeira delas temia pelo futuro do
filho, que apresentava deficiências de aprendizagem na visão da professora, traduzidas
em notas vermelhas no boletim bimestral. A situação seria aceitável se o garoto
não tivesse somente dois anos de idade.
A outra mãe, até um mês atrás,
adorava a ideia de que a filha fosse dormir sozinha às 21 horas. Depois,
percebeu que o sono também atrapalhava a lição de casa. A filha não se concentrava.
E não era questão de trocar os livros por brinquedos. Ela desmaiava com cinco
minutos de desenho animado.
A menina tinha uma agenda digna de
executivo de grande empresa. Uma pauta de trabalho que, em certos dias,
alcançava 12 horas de atividades. Mal tinha tempo para comer. O banho era
contado no relógio. A garota, além da escola, fazia natação, futebol e balé.
Fora os esportes, tinha aulas de inglês e informática, mais a iniciação musical
duas vezes por semana. A idade da mini-executiva: seis anos, um terço da vida
em rotina profissional.
Ambas as mães, assim como milhares
de pais, se apavoram com a competitividade que assombra o mundo dos adultos e
procuram proteger as crianças do futuro ainda incerto no horizonte. Projetam
uma preparação que coloca a infância em risco e queima etapas do
desenvolvimento sem a noção do preço que seus filhos vão pagar pela
transformação em adultos pequenos.
A velocidade da informação e a
sensação ininterrupta de conhecimento defasado também interferem no
relacionamento entre pais e filhos. Muitas escolas, com medo de perder alunos e
mensalidades, aceitam alfabetizar crianças com quatro, cinco anos, momento em
que deveriam desenvolver outras aptidões de maneira lúdica, sem serem
“amarradas” diante de cadernos, livros e estojos.
Programas de TV fazem a parte deles
no assassinato da infância. Crianças disputam realities shows ou viram artistas
mirins, vistas como engraçadas porque reproduzem comportamentos precoces.
Curiosas como um animal domesticado capaz de repetir, com perfeição, as ordens
dos adultos na mesma velocidade em que engordam as contas bancárias deles.
A metamorfose da criança em adulta é
mais cruel no aspecto estético. Meninas vestidas como mulheres, com maquiagem e
saltos altos. Nada da brincadeira tradicional de casinha, quando se repetem os
papéis de pai e mãe. É o figurino para os compromissos profissionais, para a
agenda social.
Atualmente, a febre na seção infantil
das lojas de departamentos são os sutiãs com enchimento. Os produtos têm como
público-alvo crianças de quatro e seis anos. Nenhuma das consumidoras-meninas
entrou sozinha na loja e comprou o primeiro sutiã. Pena que vão se esquecer
dele, oito anos antes da hora, ao contrário do slogan consagrado pela
publicidade.
A esquizofrenia social não reside nas crianças,
fantasiadas de pequenos franksteins. A enfermidade contaminou os adultos, que
não enfeitam seus filhos com alegorias imaginárias. São projeções que resultam
em cobranças e responsabilidades para alguém que ainda vê o mundo como
brincadeira.
Os executivos costumam reclamar que,
por causa da carreira, colocaram em segundo plano a família e o lazer. As
versões em miniatura seguem pelo mesmo caminho, proporcionalmente, mas sem o
poder de escolha.
Comentários