A mão que balança o berço


Embora o horror sempre se instale como a primeira vez, abandonar bebês – infelizmente – é uma prática comum em muitas sociedades. Na última semana, no Estado de São Paulo, foram três casos. Um deles chamou a atenção por causa do flagrante de câmeras de segurança. A força das imagens dá vida ao temor, personifica o lado escuro do humano.

Ao mesmo tempo, histórias como a da cozinheira Rosineide Lins se desenrolam como novelas em capítulos finais. Heróis precisam ser eleitos. E vilões precisam de punições imediatas, simbolizadas por jaulas, o primeiro passo para o posterior desaparecimento do mapa.

O ato de Rosineide, evidentemente, choca e provoca repulsa. Não me interessa defendê-la, mas entendê-la. O que leva uma mãe a descartar um filho? A História não alivia, quando nos aponta como prática recorrente em inúmeras culturas, da Roma Antiga à China Contemporânea. Do abandono na beira do rio à roda dos enjeitados, presente nos conventos cristãos.

A pergunta levou muitas pessoas a uma premissa equivocada: supor que todas as mulheres são mães. A maternidade não é inerente ao universo feminino. Parir uma criança é bem diferente de criá-la, assumi-la, de se responsabilizar por ela, de se doar por outra vida.

A maternidade é uma construção cultural com data de nascimento no século XIX. Naquele período, as amas-de-leite não se limitavam a amamentar os bebês das madames burguesas, como também os criavam e, em muitas famílias, representavam as mães biológicas nos funerais.

E largar crianças depois do parto não está ligada à conta bancária. Se, na vida moderna, as mães de classe média não jogam fora os filhos, muitas delas terceirizam o cargo, via babás, empregadas domésticas ou professoras. Cobram os louros enquanto transferem os deveres cotidianos.

Como Rosineide Lins chegou a este ponto? Como alguém pode ter seis filhos, sendo dois deles criados por voluntários, sem que o sistema público de saúde ou de assistência social detecte um desastre social em evolução? Como uma auxiliar de serviços gerais, com R$ 600 de salário, pode gerar seis crianças em condições de sobrevivência? Rosineide pagará pelos erros, mas jamais deve ser trancada como o monstro do horário nobre. Compreender sua história exige senso de civilidade para, se for o caso, protegê-la dela mesma.

Outro personagem da história, o catador Andrey Antunes Menezes, foi alçado à condição de herói da semana. Qual foi o ato heróico praticado por ele? Qualquer pessoa com o mínimo de humanidade teria obrigação de retirar o bebê da caçamba de lixo. O heroísmo dele reside em sobreviver naquelas condições, tratado como cidadão de segunda classe, que fuça o lixo alheio.

Que tipo de glória terá um herói como ele? Tapas nas costas e 15 minutos de fama local? Ou oportunidades de refazer o próprio enredo e seguir como personagem anônimo, mas livre das falsas promessas de idolatria.

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