O terminal do caos

Um dia antes do desembarque, o mestre de cerimônias do navio deixou as piadas de lado e falou com seriedade:

— O terminal de Santos é o pior do Brasil. O problema é que também é o maior.

O mestre de cerimônias não andava com um cajado para profetizar, não lia cartas, não jogava búzios nem amarrava paixões por conselho sentimental ou tinha poderes clarividentes. No dia seguinte, a obviedade se repetiu. O Terminal de Passageiros do Porto de Santos era o centro do desentendimento.

As dúvidas estavam estampadas nos rostos de muitas pessoas assim que desciam dos ônibus. O que fazer ou para onde seguir?

As filas, um terror no cotidiano, nunca foram tão desejadas. Poderiam indicar, pelo menos, onde resolver os problemas. As filas passaram por metamorfose. Viraram aglomerações.

As placas não se multiplicavam como coelhos. Pelo contrário, eram estéreis e em vias de extinção em certos pontos, principalmente do lado de fora. Os poucos funcionários tentavam transformar aquele domingo chuvoso em um dia menos traumático. Semblantes de tensão a cada pergunta de resposta complicada. E o dedo apontado pelo funcionário indicava a aventura de cortar a multidão para se alcançar o destino correto.

No cais, quatro navios atracados. Cerca de 8 mil pessoas para desembarcar. O mesmo número para iniciar a viagem de cruzeiro. Público de estádio em dia de jogo importante, se pensarmos na Vila Belmiro. Nas lanchonetes e lojinhas, preços de assustar até cambista no mesmo dia do jogo.

Para chegar ao navio, um ônibus. Os passageiros entram sem perguntar. O gado é esperançoso para chegar ao curral certo. Uma viagem de um quilômetro. Duração de 20 minutos. Trem, caminhões e trânsito para compor um congestionamento dentro da faixa portuária.

No embarque, a festa releva o obstáculo. Na volta, as palavras do mestre de cerimônias acertaram o alvo. Na mesma conversa, em alto-mar, ele também havia brincado com outra característica de Santos. Dizia:

— No terminal de Santos, você sai do cais para voltar de novo e depois sair outra vez. Vai entender!

No trajeto entre o navio e o terminal, o ônibus precisa deixar o cais, encarar o congestionamento de veículos que trazem os passageiros para embarcar e então retornar ao terminal. Se você pensar que a espera de quatro horas será acrescida de 20 minutos, é um otimista de carteirinha, daqueles que dão a outra face quando levam um soco no rosto.

Para retirar as bagagens, uma facilidade. É preciso despachar os malas dos passageiros (e suas malas) o mais rápido possível. Basta apresentar um RG ao funcionário. Ele marcará as letras OK com caneta esferográfica na bagagem e te liberará.

Sufocados pelo clima de pressa, os dois funcionários mal dão conta de centenas de malas e mochilas. Vi, por exemplo, uma garota de oito anos, para não atrasar os familiares, pegar uma caneta, marcar a própria mala com OK e sair sem ser questionada. Qualquer vigário enxergaria ali terreno fértil para aplicar um conto.

A dificuldade com as bagagens também se dá quando o passageiro inicia a viagem. Ao descer do carro, é abordado por funcionários que carregam as malas para o armazém, subdividido pelos nomes dos navios. Não há linhas de separação ou balcões para despacho. Você olha para o funcionário que corre com sua mala, entra no armazém e desaparece. Olhe nos olhos dele e confie no sujeito que você sequer sabe o nome e mal conseguiu ler o crachá!

Outro problema grave é o transporte na volta do cruzeiro. Depois que fizeram o zigue-zague de entrada e saída e retiraram as malas, os turistas procuram por táxis, vans ou ônibus de excursão. De cara, você vê o ponto de parada de ônibus. Neste ponto, a organização funciona.

As dificuldades aparecem para quem precisa localizar vans ou apanhar um táxi. Muitos grupos agendam vans para sair rapidamente do local. As vans se misturam com os carros que trazem os passageiros para embarque. Ou seja, com o objetivo oposto. A parada é caótica. Dois funcionários, com jalecos amarelos, tentam organizar a fila tripla, que aumenta com a chuva.

Procurar um táxi é como contar peixes no oceano, brincam os tripulantes. Achou a placa azul com a palavra táxi? Ela é tão grande quanto o espaço vazio que a cerca. É como esperar no deserto. Apenas miragens. Ninguém para por ali.

Conversando com taxistas, perguntei porque não havia carros disponíveis no terminal. A resposta variou entre falta de veículos em dias de chuva e aos domingos (e quando se juntam os dois fatores?) e a bagunça para entrada e saída do local.

Aos domingos, a frota de táxis em Santos cai a 30% dos dias úteis. Muitos motoristas também alegam que há dificuldades para se aproximar de passageiros na saída do terminal.

Nesta coleção de erros, duas ironias. A primeira é que, como repórter, conhecia a tragédia há anos. Apenas tinha esperança de escapar dela como passageiro.

A segunda é que, todos os anos, os responsáveis pelo serviço repetem as mesmas desculpas, anunciam as mesmas soluções para os velhos problemas, que permanecerão vivos na próxima temporada. Enquanto isso, os engravatados comemoram os recordes, os moradores acenam na orla da praia e a cidade fica com a fama alheia.

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