A farra brasileira I - As pequenas derrotas do rei

A seleção brasileira começa a mudar na tarde desta segunda-feira? A resposta é positiva para os que desejam se esconder atrás da cortina de fumaça. A primeira convocação do técnico Mano Menezes servirá para tirar o presidente Ricardo Teixeira da vitrine, depois de uma semana em que as expectativas viraram do avesso.

O discurso parece ensaiado. Não se fala em família ou comprometimento, palavras que marcaram técnicos anteriores. O termo do momento é renovação. Nada mais cínico, como todos sabemos, e por isso não merece mais alongamentos.

O vitalício cartola terá que se entender com São Paulo. Duro para quem raramente desce da torre de marfim. O jogo parecia definido, com vitória de Teixeira. Ele acreditava que emplacaria o projeto do estádio em Pirituba, com o chapéu alheio. Em outras palavras, apostava que o Governo do Estado ou a Prefeitura de São Paulo fariam um estádio com o nosso dinheiro. E lucros para a CBF. Os dois tiraram o corpo fora. O Pacaembu entrou na corrida e o Morumbi deu sinais de vida na tumba.

Na mesma semana, o presidente da CBF chutou nova bola fora e confirmou mais uma vez que planejamento não é uma característica que a entidade carrega desde criancinha. A definição do treinador da seleção brasileira teve farsa, tragédia, tons de comédia e final caricato.

O presidente retardou o quanto pôde a divulgação do nome. A convocação sairá hoje porque é a data-limite para tal. E precisamos de um técnico para convocar e escalar a equipe.

O cartola-rei apostava em Luiz Felipe Scolari, que cantou a manutenção do casamento com o Palmeiras. Jogou verde, depois falou grosso e Teixeira entendeu a mensagem.

O técnico do Fluminense, Muricy Ramalho, virou o plano B. Mas ainda há pessoas que respeitam palavra, papel assinado e zelam pelo próprio nome. Muricy discutiu dinheiro no mesmo patamar das condições de trabalho. Postura estranha para quem domina o futebol nacional.

Como de praxe, a CBF fez por linhas tortas o que já nascera enviesado. Falou com o treinador com a crença de que o clube poderia ser ignorado.

Muricy fez o óbvio: consultou o chefe. O problema é que tudo foi feito publicamente, com fotos e imprensa. Como se a partida estivesse com o placar consolidado. O resto, todos sabemos. O presidente da CBF teve que adotar o plano C, fruto de relacionamento afetivo quente com a direção do Corinthians.

O time que pegará os Estados Unidos em agosto é o primeiro movimento. As expectativas em torno da tal renovação servirão para esconder as trapalhadas em torno da Copa do Mundo de 2014. Não há garantias. Mano Menezes sabe disso. Talvez tenha chegado ao cargo antes da hora. Experiência não é exatamente pré-requisito. Nem item que assegure conquista de títulos ou cadeira cativa.

A forma de se conduzir o processo que culminou na escolha do novo técnico aponta que a mentalidade de Teixeira e seu grupo permanece intacta. A soberba controla as ações, conduz as estratégias de uma turma que se considera intocável dentro e fora do país. Superou duas CPIs, garantiu as rédeas da organização de um Mundial. E, principalmente, sonha com as cadeiras da FIFA a partir de 2015.

O que me deixa contente é o surgimento de uma resistência. A Internet virou arma de vários figurões insatisfeitos com a condução do futebol. Ainda desorganizado e pulverizado, este movimento se sustenta em dois pontos comuns. O primeiro é a indignação com alguém que segue no poder por 21 anos e pretende se manter por mais quatro.

O segundo ponto é que o Mundial de 2014, no Brasil, dá todas as dicas de que será mais um evento lesa-patrimônio. Nenhuma medida é tomada pelo bem comum. Teremos estádios faraônicos, em lugares onde o futebol não é esporte rentável. O cronograma de trabalhos mal se sustenta em pé. As obras de infra-estrutura seguem pipocando nos discursos dos políticos, sem uma conexão entre os projetos.

As dívidas que a África do Sul começa a amargar, somado ao lucro superior a US$ 3 bilhões nos bolsos da FIFA, provocaram temor em muitos que acompanham o esporte de perto. O saldo do Pan no Rio de Janeiro, que custou dez vezes mais do que o previsto, aqueceu a garganta de quem teme por nova farra com dinheiro público.

Na Copa da Alemanha, em 2006, apenas três dos 12 estádios tiveram dinheiro do governo. No Brasil, a ideia é fazer o inverso, se ninguém frear o trem da alegria. Na Internet e em alguns veículos de imprensa, surgem os primeiros gritos. Um deles é o movimento Tira Teixeira, liderado por um ex-presidente da Bovespa. Seria o pontapé inicial?

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Caro leitor, não encare como uma promessa, mas a intenção é escrever neste espaço, às segundas-feiras, sobre a organização da Copa do Mundo em 2014, a partir da perspectiva que envolve o universo político do evento. Obras, cronogramas, uso de dinheiro público e assuntos relacionados ao tema. Esperamos sugestões e críticas que alimentem o debate sério sobre os impactos do Mundial nos vários ângulos que compõem a sociedade brasileira.

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