Toninho, o agitador cultural

Plínio Marcos o chamava carinhosamente de “agitador cultural”, título reproduzido por muitas personalidades quando falavam dele. O produtor Toninho Dantas, um dos sujeitos mais importantes do cenário cultural da Baixada Santista, morreu aos 62 anos. Ele foi encontrado por dois amigos no próprio apartamento, às 19h30 da última sexta (dia 14), depois de faltar a uma reunião do Festival Santista de Curtas-metragens, o Curta Santos. Toninho era o idealizador e coordenador do evento.

Segundo depoimentos de amigos e colegas de trabalho, Toninho estava doente. Teria que fazer um transplante de fígado. Até agora, a causa da morte é desconhecida.

Pouco conversei com ele. Fiz somente entrevistas breves. Conheço somente a figura pública e passei a admirá-lo por enfrentar preconceitos e insistir em produzir cultura numa região marcada pelo conservadorismo e pela ausência de políticas públicas profundas e de longo prazo para o setor. Toninho sabia como lidar com as brechas do círculo vicioso da política e conseguia manter a coerência em organizar eventos de várias manifestações culturais.



Toninho Dantas me pareceu diferente à primeira vista. Um sujeito de barba grisalha comprida, cabelos bagunçados, vestido sem grandes preocupações estéticas. Corria como um menino pelo Teatro Municipal para verificar cada detalhe do Festival Santista de Teatro Amador, tradicional reunião da classe teatral da cidade.

Ele comandou o Festa por cinco anos, período em que encontrou as vacas gordas, mas – principalmente – conviveu com as magras. O Festa só vivia com folgas em ano de eleição, época em que os caras-de-pau se lembram de que a cultura move e reflete o ser humano.

Toninho Dantas talvez fosse considerado um empreendedor pelo mundo corporativo se tivesse ares de intelectual e vestisse terno e gravata. Mas “agitador cultural” cabia melhor a ele. Ele se reinventava para sobreviver no meio cultural. Usava de influência e experiência para manter o litoral no mapa, com recursos curtos e desinteresse de quem tem o dinheiro.

Toninho era um artista múltiplo. Transitou por várias artes, sempre preocupado com o engajamento social. A mão dele acendia a chama do ser humano como animal político e cultural. Apoiava a arte como mecanismo de virada contra as convenções sociais, ainda que a seu modo, ainda que colecionasse desafetos. É possível não gostar dele – diriam muitos -, mas não se pode minimizar o papel que exerceu na cultura local contemporânea.

Nascido em Guarujá, ele estudou na Escola de Arte Dramática, na USP, trabalhou em emissoras de TV. Como ator, participou do grupo teatral de Antunes Filho, em São Paulo. Depois, percebeu que sua área era a produção cultural. Além de cinema e teatro, Toninho produziu festivais de música.

A morte dele empobrece a cultura da região e, ao mesmo tempo, cria um peso para os profissionais do meio. Perde-se um sujeito que conviveu com visionários, absorveu ideias, fez a digestão adequada e as aplicou aqui, muitas vezes sem qualquer tipo de bônus.

A ausência dele aumenta a responsabilidade sobre o Curta Santos, festival consolidado, atraente para várias gerações de amantes e produtores de cinema. A porta de entrada para muitos sonhos de garotos que ainda crêem na velha máxima da “câmera na mão e uma ideia na cabeça”, ainda que num sentido simbólico de romantismo.



A sugestão redundante é que Toninho seja homenageado no próximo festival. Pena que não recebeu homenagens em vida. Mas foi reconhecido por aqueles que ainda tem nas veias a esperança de que a cultura local pode ser disseminada em todos os espaços e para todas as classes sociais.

Que o Curta Santos o homenageie de forma alegre, viva, pulsante, transgressora e contestadora. Assim seria o desejo (ou melhor, a prática) do velho agitador cultural, amigo e discípulo de Plínio Marcos. Claro que Toninho Dantas não prepararia uma festa para si mesmo, mas para a cultura caiçara.

Comentários

Anônimo disse…
Belo artigo, professor. Que o Toninho seja pra sempre lembrado pelo que fez e que suas conquistas não tenham sido em vão. A cidade carece de pessoas corajosas como ele, principalmente na questão cultural. Trabalhar com ele foi uma experiência única, só quem o conheceu entende o que sentimos. Ele fazia acontecer, como poucos aqui, mas o show não pode parar, nunca.

Paula Matos - Santos/SP

Leia outro artigo sobre Toninho Dantas em www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
joão thiago disse…
Tenho duas histórias do Toninho Dantas.

A primeira, do meu pai, Diretor de um grupo de teatro nos anos 70, foi apresentar "Deus lhe pague" em Guarujá. Faltava alguma coisa na iluminação. alguma coisa que não estava certa. Chegou um rapazinho magro, meio afetado e deu umas sugestões. Seguiram à risca, Voilá! Luz perfeita. O nome daquele rapazinho? Toninho Dantas.

A segunda, minha mesmo. No Festa de 2001, cuja organização foi liderada por ele, uma grande amiga minha (hoje já falecida) recebeu uma indicação pela magistral interpretação de Hécuba, na peça "As Troianas". Pena que não venceu, mas lembro que aquela foi a apresentação da premiação do FESTA mais instigante que vi. Antes e depois.

No mais, saudades do pequeno gênio.