O olho punitivo

Taxistas podem ter a fama de pilotos frustrados, mas conhecem os atalhos da malha viária e avaliam com sabedoria os humores do trânsito da cidade. Não dirigem como religiosos castos. Poucos costumam reconhecer os próprios pecados ao volante. Por isso, talvez crucifiquem – com certeza dogmática - os radares como o mal desnecessário na vida dos motoristas.

A dor no bolso em forma de multa, dependendo do caso, pode parecer conflito de interesses, porém cheira a argumento insuficiente para desvalorizar a tese de que os equipamentos não traduzem a retórica de educação no trânsito.

- É o monstro do olho eletrônico!, cravou um taxista esta semana, na avenida Afonso Pena, depois de passar – dentro do limite de velocidade – pelo radar próximo ao Pronto-Socorro.
A implantação de mais dois radares, em Santos, denota com clareza a proposta de política pública para o tráfego da cidade. O controle de velocidade por intermédio de vigilância eletrônica – 20 radares, no total - representa a aplicação do caráter exclusivamente punitivo no tráfego de veículos, ainda mais desconectado de outras decisões para conter as tentações dos pilotos amadores.

A impressão é que o Estado abdicou da necessidade de ações de prevenção e, sobretudo, de educação para o trânsito. Encontrar um agente da Companhia de Engenharia de Tráfego durante os horários de pico é fato raro, principalmente na função de orientar os motoristas. A imagem dos “amarelinhos” consiste no sujeito com talão e caneta nas mãos e a ânsia de aplicar multas. A ausência deles nas ruas reforça a hipótese de agente repressor. Basta perguntar aos motoristas e motociclistas!

É claro que punições pesadas aumentam as chances de alteração de comportamento, como o uso de cinto de segurança, mas isso não significa mudança por respeito ao outro ou à coletividade, e sim pelo temor de prejuízo individual. O fluxo de veículos cresceu de maneira significativa nos últimos anos, enquanto a malha viária permaneceu congelada. Surgiram novos hábitos como dificuldades para estacionar e sair mais cedo de casa para chegar ao trabalho, antes “privilégios” dos vizinhos paulistanos.

O planejamento do tráfego fechou os olhos para a individualização em detrimento da ação coletiva. Percebe-se, em quaisquer períodos, a circulação de carros com somente um ocupante. Campanhas esporádicas, como o Mutirão da Carona, soam hipócritas e inofensivas diante dos próprios resultados inócuos.

Ao contrário do Porto de Santos, que elevou o uso da malha ferroviária, a cidade é refém dos pneus. Trem de passageiros simboliza artigo do século passado, ao passo que as estações viraram ruínas em toda a região dita metropolitana. Em cidades européias, onde problemas de tráfego foram amenizados, o papel do transporte coletivo é crucial. Com qualidade, este serviço público serve como alternativa efetiva para que o cidadão opte por deixar o carro em casa. As queixas mais comuns – e é suficiente permanecer alguns minutos em pontos de ônibus para ouvi-las – dizem respeito ao preço desproporcional à distância percorrida, tempo de espera e atendimento nos coletivos.

Santos apresenta como vantagem ter a maior parte da área plana, uma facilidade para o uso de bicicletas. A Prefeitura cobriu parte da cidade com ciclovias, porém faltam estacionamentos públicos. A exceção são parques como o Jardim Botânico. Para uma cidade que vende a imagem de qualidade de vida, a estrutura para quem escolhe por transporte alternativo se mostra incompleta.

Criar mecanismos para domesticar motoristas pode representar, em termos estatísticos, a redução de acidentes graves, enquanto engorda o caixa com o resultado da política punitiva. Infelizmente, a medida é incapaz de alterar a postura anônima de pilotos e de outros sujeitos motorizados nesta pista informal de automobilismo. Prevalece a lógica individualista de alcançar o destino o mais rápido possível, a golpes de buzina, com a garantia de manter-se cinicamente sereno diante da vigilância eletrônica.

Comentários