O tributo de Ziraldo

Quando adolescente, ainda em São Paulo, DaCosta começou a misturar influências artísticas, algo que hoje faz sem perceber ou com método definido. O caldeirão de referenciais em seus desenhos é visível. Transita pela literatura beatnik, navega por Jimi Hendrix e os Stones e se aproxima de Lasar Segall e outros artistas plásticos. Aliás, DaCosta mantém desde a adolescência o hábito de freqüentar a cena cultural paulistana, como bienais, museus, cinemas e sebos.

Desenhar no ateliê de Segall, por exemplo, era o programa preferido de domingo nos anos 70. Em Santos, grafitou murais na avenida Francisco Glicério no começo da década seguinte.
Antes de pensar em publicar desenhos na imprensa, o cartunista era leitor voraz de o Pasquim e acompanhava todos os trabalhos do primeiro ídolo, o quadrinhista americano Joe Kubert, criador do personagem Sargento Roque. Para os quarentões, desenho baseado no seriado de guerra Combate.

Naquela fase, DaCosta – ainda Osvaldo – mal poderia conceber a idéia de contribuir para uma publicação onde desenhavam Jaguar, Millor, Ziraldo e outros mestres da cultura brasileira. Vinte anos depois, o cartunista tornou-se colaborador do Pasquim 21, como também contribuiu para a extinta revista Bundas, liderada pelo irmãos Zélio e Ziraldo.

Segundo o cartunista, Ziraldo é um referencial para os desenhistas. O traço dele teria por si só poder de influência. “É o pai de todos nós.”

O choque diante do modelo, “pai” e mestre se deu na edição de 13 de agosto de 2002 do Pasquim 21. O jornal publicou duas páginas, com 15 cartuns e charges de DaCosta. Um deles foi o desenho do oratório alusivo ao apagão, que aparece nesta página. O título da reportagem: “Da Costa. O último desenhista-de-humor.” O autor do tributo: o próprio Ziraldo.
No texto, o artista mineiro afirmou que ele, Jaguar, Claudius e Fortuna – influenciados por Millor Fernandes – detestavam ser chamados de cartunistas. Seriam “desenhistas-de-humor”. Para ele, este tipo de profissional na imprensa sucumbiu à extinção. Restaria somente o inglês Ralph Steadman.

Ziraldo definiu DaCosta como o último daqueles que praticam o desenho-de-humor na imprensa brasileira. Na conclusão do texto, o então editor de o Pasquim 21 disse que DaCosta cumpria a máxima do italiano Manzi: “Um bom desenho salva qualquer piada.” Para Ziraldo, a frase ainda é a lei.

Osvaldo DaCosta guarda a publicação como um tesouro na terceira das quatro gavetas de uma cômoda, ao lado da prancheta onde rabisca diariamente. Ao me mostrar a reportagem, ele reflete sobre o isolamento voluntário no apartamento do bairro do Boqueirão. Ali, “o último desenhista-de-humor” complementa o pensamento do mestre ao defender que o desenho perfeito ultrapassa os limites dos idiomas, das fronteiras geográficas. E mais: o cartunista precisa se distanciar do poder para alcançar a mensagem perfeita. “No meio de um salão de cartuns, com os europeus, não conheço a língua deles, mas entendem o que eu quero dizer. Não existe cartunista de direita ou de esquerda, senão o desenho perde a carga.” (MVB)

Comentários

Rose Marques disse…
Experiência interessante... ver você falar na aula de ontem de como gostava de escrever perfil (dando exemplos alheios) e ler um texto desses hoje! Isso é que é didática!!!
Abraço!
Rose,

Muito obrigado! Como jornalista, é mais fácil falar e escrever sobre os outros. Abraço.