A falsa impressão do óbvio

Ao divulgar os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Ministério da Educação apontou mais do mesmo. Ou seja: as melhores notas pertencem às escolas privadas da região Sudeste. O exame também reforça os problemas conhecidos da educação pública no país.

O ENEM é optativo e aplicado ao terceiro ano do Ensino Médio. Das 20 melhores escolas brasileiras, oito ficam no Rio de Janeiro. Outras quatro instituições são mineiras e três, paulistas. O melhor desempenho do país foi o tradicional Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, com 83 pontos de 100 possíveis. Lá, o ensino é integral e só meninos se matriculam.

A cidade de Santos teve médias superiores ao restante do país, tanto no ensino público como no privado. Entre as particulares, o melhor índice foi do Colégio São José. Entre as públicas, a Escola Técnica Aristóteles Ferreira, da rede estadual.

Trata-se da segunda etapa de divulgação dos dados. Na primeira fase, em novembro do ano passado, o Ministério da Educação publicou o índice médio de escolas públicas e privadas. A diferença, obviamente, se confirmou: 69 pontos das particulares, contra 48 das públicas na prova objetiva. Na redação, 63 a 55 para as instituições pagas.

Se o ENEM, assim como outros mecanismos estaduais, nacionais e internacionais de avaliação, aponta o óbvio, por que é interessante observar e interpretar os dados? Pelo simples fato de que estes instrumentos avaliativos mascaram alguns problemas que o senso comum julga solucionados, além de nortear como as políticas educacionais são gerenciadas no Brasil.

Entre as capitais, a primeira falácia: São Paulo – com três escolas entre as 20 melhores - ocupa a décima posição. Vitória (ES) teve o melhor desempenho, seguida por Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC). Isso retrata, por exemplo, a falta de homogeneidade das redes. Em São Paulo, a partir dos dados analisados aqui, a variação entre as escolas particulares chega a 30 pontos. Muitas apresentaram, portanto, índices inferiores aos da rede pública.

Quando se inicia uma análise mais profunda dos números, percebe-se que outras variáveis precisam ser consideradas. Por exemplo: das 20 melhores instituições públicas, 17 são federais, com ensino técnico-profissionalizante. O próprio Governo Federal mostra dificuldades para lidar com a descentralização das redes de ensino. Tornou-se uma tarefa mais fácil cuidar do próprio quintal.

Outro fator é que as melhores instituições públicas são excludentes. Em outras palavras, o acesso é restrito. Há qualidade, evidentemente, mas para poucos estudantes.

É importante lembrar que o ENEM configura somente mais um mecanismo de avaliação que, aliás, apresenta uma série de limitações. Na verdade, este exame apenas enfoca uma faceta do processo educacional: o aluno. O próprio INEP (instituto de pesquisa organizador da prova e ligado ao Ministério) explica que o ENEM não avalia a escola.

No entanto, o próprio Governo Federal divulga os dados como se fossem um ranking, alimentando especulações políticas, ações de marketing por parte das escolas campeãs, com a chancela da falta de contexto no conteúdo produzido por parte da imprensa. Um exemplo: o Vértice, colégio de melhor desempenho na cidade de São Paulo, ganhou destaque em veículos impressos porque faz provas semanais. E daí? O que isso significa? Será que entupir os alunos de provas garante bom desempenho? Óbvio que não. Uma escola excelente – não sei se é o caso do Vértice, pois tomou-se como base somente o resultado do ENEM – se faz com uma série de elementos e ações, que unem pessoas engajadas e preparadas e processo de ensino-aprendizagem com solidez e planejamento.

Por isso, deve-se considerar que os números servem como instrumento para relativizar respostas públicas perante as mazelas do sistema educacional brasileiro. Além disso, os dados divulgados pelo Ministério devem ser comparados com anos anteriores e posicionados no devido contexto temporal e geográfico. Não se pode entender o quadro paulista, por exemplo, como ponto de referência para ações emergenciais e de longo prazo em estados das regiões Norte e Nordeste.

A comparação, por sua vez, entre as escolas privadas e públicas deve ser vista como meramente ilustrativa. Não dá para estabelecer a rede particular – fragmentada, dispersa e fechada em si – como paradigma para decisões públicas. O sistema público de ensino deve buscar o próprio caminho, inclusive no sentido de respeitar as diferenças e particularidades regionais e, acima de tudo, com um olhar de longo prazo. O próprio INEP reforça que, se houver comparação, deve ser feita entre instituições parecidas.

Diante deste cenário, os resultados do ENEM não desenham alterações significativas na educação brasileira e tampouco nos levam a crer em milagres pedagógicos. As escolas particulares com melhores resultados são freqüentadas por alunos de famílias que colocam mais dinheiro em educação. No caso da públicas, são estudantes que formam uma elite dentro do sistema, com acesso a um modelo de ensino que representa a cereja do bolo, jamais uma fatia dele.

Se o Ministério da Educação e todo o sistema decorrente se limitarem a analisar o Ensino Médio por uma prova, teremos em 2009 uma repetição deste ano. Cabe a questão: de que forma os gestores públicos e privados de educação vão lidar com o ENEM? Vão apagar os focos de incêndio ou reformar a casa?

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