Cinema brasileiro e o reflexo do horror

O medo é uma das reações mais interessantes que o espectador pode ter quando assiste a um filme. É, de certa forma, o prazer masoquista de se posicionar diante do que se mostra desconhecido ou estranho para si. Não há necessidade em entender o diferente; apenas vivenciá-lo. Dizem os amantes dos gêneros suspense e terror que o medo se aproxima do absoluto quando se teme o invisível. Aguça a imaginação, elevam-se as sensações. As melhores cenas ocorrem nas sombras. Reforçam a estranheza e a inoperância perante o inédito.
O temor também pode se manifestar caso um clichê seja bem aproveitado. É como a garota que se sente apavorada diante do espelho do armário do banheiro. Sabe-se que ela fechará o armário e, quando o abrir novamente, enxergará o assassino ou o horror.
A garota em questão é o cinema nacional, desarmado e prestes a ser apunhalado por personagens insensíveis e pragmáticos. As causas do terror se fazem visíveis, repetitivas e ainda sem a trilha sonora adequada para nos levar ao pânico absoluto como prazer, gerando decepção com o cenário cultural.
Quando se reflete no espelho, o cinema nacional vê conhecimento de formas de produção e execução, mas feridas profundas na distribuição e na exibição para o público. Segundo o presidente da Rio Filmes, José Wilker, os filmes brasileiros ocuparam 22% das sessões há seis anos. Em 2006, foram 8%, com tendência a cair ainda mais. O Atlas do Cinema Nacional fala em 11%, o que não diminui o pavor.
No Brasil, cinema é artigo de luxo, privilégio das classes média e alta. São somente 2407 salas no país, boa parte em shoppings, menos do que na ilha de Manhattan, em Nova Iorque. O preço do ingresso, em um sábado à noite, equivale a US$ 7. Há 20 anos, era 50 cents.
Cerca de 200 filmes, de fase de gravação a película pronta, aguardam espaço para exibição. Isso desenhou uma trajetória diferenciada para as produções, que passaram a ter nos festivais as únicas oportunidades para atingir as pessoas. Na verdade, festival é para marcar território (prêmios, crítica especializada e comunidade cinematográfica) e depois a obra segue carreira nas salas e/ou no mercado de dvds.
Para que fazer cinema então??? Em 2007, o maior fenômeno foi Tropa de Elite que, segundo estimativas, vendeu mais de cinco milhões de cópias no universo pirata e atraiu 2,5 milhões de pessoas aos cinemas. O exemplo é exceção e serve também para mostrar o domínio da televisão sobre a tela grande. Tanto que virará seriado. Ou melhor: torna-se complicado escapar da hegemonia das Organizações Globo no setor. Os filmes produzidos e/ou distribuídos pela Globo Filmes superam 90% da bilheteria nacional. Muitas das produções parecem episódios da TV adaptados para longa-metragem. Quando se quebra essa barreira, a permanência na sala de exibição não alcança um mês.
O cinema nacional permanece preso a uma armadilha. Apenas mudou de carrasco. Depois da catástrofe do ano de 1991, quando as medidas do presidente almofadinha reduziram a produção a uma película, o segmento conseguiu a duras penas a recuperação. O Oscar virou sonho possível e, principalmente, driblou-se a imagem de que a cinematografia brasileira era sinônimo de mulher pelada e palavrão. É claro que o dinheiro público ainda se constitui no maior fomentador das produções, mas muitas empresas privadas investem em filmes de olho nas leis de incentivo.
Esqueçam a balela de indústria do cinema. Produzimos menos filmes do que a Argentina. Contudo, os dois vizinhos se abraçam na invisibilidade. Os argentinos também adoram um blockbuster! No caso do Brasil, a própria TV também auxilia no enterro do fantasma. Ou você fica acordado até às 3 horas esperando por uma produção brasileira da qual nunca ouviu falar? Ou sonha com aquela semana do mês de janeiro quando se exibem cinco películas com o título de Festival Nacional?
O próprio presidente da Rio Filmes tem uma sugestão interessante: criar programas itinerantes – sem maiores burocracias – para levar as produções às periferias do Brasil. Não significa apenas atingir o sertão ou as localidades afastadas da Amazônia. É a Zona Norte do Rio de Janeiro, as cidades-satélites de Brasília, a região do Jardim Ângela em São Paulo, a Zona Noroeste de Santos ou a Área Continental de São Vicente. Em todos eles, não há cinemas. Justifica-se o dinheiro investido, permite-se que uma população praticamente desprovida de bens culturais conheça novas linguagens e dá-se visibilidade aos filmes.
A experiência de levar o cinema onde o povo está – para usar um clichê – já foi adotada, porém de maneira esporádica. Santos teve, por exemplo, projetos neste sentido. No entanto, os filmes exibidos eram antigos, em sua maioria gastos na tela da TV. A velha forma de tentar enganar quem não é bobo.
A produção nacional precisa buscar alternativas para alcançar o público. Enfrentar o cinema norte-americano ou o maior conglomerado de comunicação no Brasil nos moldes convencionais é suicídio. Quais seriam as alternativas? O enredo não tem final claro, mas não é difícil até para um simples figurante notar que o clímax deve retratar alterações na política de audiovisual no país, além de pequenas soluções criativas na micro-política. Assim como na história onde a garota vê o assassino no espelho, o final – atualmente!!! - reserva que o agressor seja morto várias vezes. Com o risco de ressuscitar no próximo filme.

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